Uma polêmica divide os fãs de Toyota e Mitsubishi: qual é a picape mais off-road do Brasil, Hilux ou L200?
Não vou pôr a mão nesse vespeiro, mas vou decidir a questão de outro modo: as duas dificilmente venceriam a nova Jeep Gladiator num desafio fora de estrada.
Quase tudo foi projetado para levá-la a um nível acima das demais quando se fala em desbravar caminhos.
Tração 4×4, reduzida, diferencial central, bloqueio de diferenciais (traseiro e dianteiro), chassi de longarina e até reforços metálicos que protegem sistemas vitais sob o veículo, como tanque ou transmissão.
Mas não confie apenas na ficha técnica. É precisa dirigi-la para ter ideia do que ela capaz na vida real. E foi o que eu fiz no seu lançamento mundial, nos arredores de Queenstown, na Nova Zelândia.
Apesar de o trajeto ter sido pensado para mostrar o que havia de mais radical na região, a Gladiator devorou os piores obstáculos como se aquilo fosse só uma estradinha a caminho do sítio.
Confesso até uma certa decepção com o roteiro escolhido, pois a picape deu conta de tudo sem que eu precisasse usar muita habilidade ao volante.
Ao cruzar um riacho, vi a dianteira mergulhar fundo, a água cobrir parte do longo capô e a margem chegar logo em seguida, sem maiores dificuldades. Algo simples para um veículo apto a fazer travessias com até 76 cm de altura da carroceria coberta de água.
Nas pedras, a picape parecia um cabrito montês escalando bem devagar as pedras da trilha apertada, com a reduzida acionada.
Apesar dos dois eixos rígidos, o contato das rodas num terreno tão irregular tinha a ajudinha do recurso eletrônico que desliga a barra estabilizadora dianteira, exclusivo da versão topo de linha, a Rubicon.
Duvido que L200 e Hilux fariam tudo isso com tamanha facilidade. O DNA de jipeiro raiz está até no modo de engate do 4×2 e 4×4, por meio de uma alavanca mecânica.
A Gladiator, no entanto, não é só off-road. É também estilo – e que estilo! O visual é uma bela combinação de tradição clássica da Jeep em uma releitura moderna, que agrada ainda mais ao vivo.
Era comum cruzar com outros donos de picapes nas estradas neozelandesas e vê-los encarando nossa caravana com olhos arregalados e um sorriso no rosto.
Foi no asfalto liso da rodovia que pude apreciar com calma outras qualidades da picape derivada do Wrangler.
O bom acabamento interno lembra bastante nosso Renegade, com variedade de texturas, superfícies macias no painel e nas portas e botões agradáveis ao toque. A tela padrão da multimídia é de 5 polegadas, com opção de 7 ou 8,4 (como a das fotos).
Entre seus recursos, traz Apple CarPlay e Android Auto, dados do veículo, ajustes dos vários sistemas e imagens da câmera traseira e frontal (esta muito útil para ver o piso à frente em trilhas difíceis).
Só que esse excesso de botões e informações concentrados no meio do painel tornam seu uso difícil e tira um pouco da atenção ao dirigir.
Também é aí que ficam as teclas do vidros elétricos, de ergonomia ruim e que inexplicavelmente só têm um-toque para abrir as janelas dianteiras, mas não para fechar.
O interior sofre ainda de falta de porta-objetos práticos e racionais. Não há lugar para deixar um celular no console (a não ser que ele fique solto no porta-copos) e as portas usam redes no lugar das tradicionais bolsas laterais.
E os dois parafusos grosseiros à mostra na barra de apoio sobre o porta-luvas destoam do conjunto.
O espaço interno é pouco menor na largura do que numa picape média comum, apesar de os passageiro atrás viajarem em uma posição mais confortável, com joelhos mais baixos.
A suspensão é bem assentada, transmite solidez, outra característica que remete ao Renegade. As pequenas irregularidades do asfalto pouco são sentidas na cabine.
Às vezes, esqueço que atrás de mim há uma caçamba. Graças às molas helicoidais nas quatro rodas, não sinto aquela traseira quicando típica de picape viajando sem carga.
Se por um lado isso melhora conforto e estabilidade, por outro afeta a capacidade de carga: a Gladiator leva só 620 kg, distante dos 1.025 kg da Hilux, que usa feixe de molas semi-elípticas na traseira.
Mas o jogo contra as picapes japonesas volta a se equilibrar ao primeiro toque no acelerador. Há potência de sobra no motor a gasolina Pentastar V6 3.6, com ótimos 285 cv e apenas razoáveis 34 mkgf – contra os 177 cv e 45,9 mkgf do 2.8 diesel da Hilux.
Acoplado ao câmbio automático de oito marchas, sua tocada na estrada é prazerosa (ajudaria bastante ter paddle-shifts no volante) e gera acelerações rápidas, embaladas por um ronco encorpado e agradável, que depois de um tempo começa a cansar pelo nível de ruído um pouco elevado.
Mas, se o motor fala alto, ele não é o canhão que se esperaria de um V6 com essa potência.
Pena que o que fala alto mesmo é consumo de gasolina: registrei no computador de bordo 5,1 km/l na rodovia dirigindo aos 100 km/h.
Esse cenário deve mudar bastante na versão diesel V6 3.0 de 260 cv e 65,8 mkgf, que não estava disponível no test-drive e não vem para o Brasil tão cedo.
Elevado também é o pacote de equipamentos de segurança da Gladiator: airbags laterais, monitor de ponto cego, frenagem de emergência, controle de velocidade adaptativo, monitor de pressão de pneu e até um alerta de passagem de veículo ou pedestre quando a picape está em marcha à ré.
Quanto aos demais equipamentos, a variação é grande, tanto entre as quatro versões (Sport, Sport S, Overland e Rubicon) como na enorme oferta dos opcionais da linha Mopar, que inclui até duas opções de carroceria: hard top e soft top.
Aliás, tive a oportunidade de dirigir as duas configurações e impressionou a facilidade com que se baixa a capota de lona de acionamento manual: é só soltar duas travas e recolhê-la, num processo que leva menos de 20 segundos.
A comparação entre a Gladiator e as picapes japonesas só fica difícil quando se fala de bolso.
Previsto para chegar ao Brasil neste segundo semestre, o modelo da Jeep ainda não tem preço ou equipamentos definidos, mas podemos esperar algo em torno de R$ 300.000, ou seja, R$ 90.000 acima das picapes diesel topo de linha.
Portanto, donos de Hilux e L200, paixões à parte, vocês não vão achar capacidade off-road, estilo e conforto em nenhuma outra picape – desde que dinheiro não seja um problema.
Veredicto
Se o foco é off-road, nada se compara à Gladiator. Para o uso urbano, porém, você precisa fazer as contas e ver se vale pagar 45% a mais por uma dose extra de estilo e conforto.
FICHA TÉCNICA | JEEP GLADIATOR |
Preço | R$ 300.000 (estimado) |
Motor: | gasolina, dianteiro, V6, 24V, 3.604 cm3; 96 x 83 mm, 11,3:1, 285 cv a 6.400 rpm, 36 mkgf a 4.400 rpm |
Câmbio | automático, 8 marchas, 4×4, reduzida, bloqueio de diferenciais |
Suspensão | eixo rígido com molas helicoidais nas 4 rodas |
Freios | discos ventilados |
Direção: | eletro-hidráulica; diâmetro de giro, 13,65 m (Rubicon) |
Rodas e pneus | n/d |
Dimensões | comprimento, 553,9 cm; largura, 187,5 cm; altura, 193,3/188,2 cm (soft/hardtop Rubicon); entre-eixos, 348,7 cm; peso, 2.301 kg; tanque, 83 l; caçamba, 1.000 l ou 153,1 cm x 144,2 cm x 86,1 cm; altura livre do solo, 25 cm; ângulo de entrada, 40,7 graus; ângulo de saída, 25 graus |
Desempenho | n/d |