Esta nem o Google sabe. Entrei no gigante das buscas da internet para ver se ele me indicava alguma notícia a respeito, e nada. Estou falando do conselho que o Ayrton Senna deu a Ron Dennis, seu chefe e dono da equipe McLaren, para que ele não fizesse o tão sonhado McLaren de rua.
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A conversa se passa entre 1989 e 1990, tempo em que os carros da equipe inglesa eram quase imbatíveis nas pistas da Fórmula 1. A McLaren faturou quatro campeonatos de construtores seguidos: 1988, 1989, 1990 e 1991. E eu soube dessa história pelo Leonardo Senna, irmão do piloto. Ele contou que, na ocasião, o Ayrton alertou o patrão de que o carro de rua dividiria a atenção da McLaren entre as corridas e a fábrica do superesportivo, o que certamente prejudicaria os resultados nas pistas.
Mas não adiantou. Ron Dennis seguiu em frente e, em maio de 1992, lançou o McLaren F1, um superesportivo que foi uma grande sensação na estreia e até hoje é cultuado por entusiastas do mundo todo.
O McLaren F1 foi verdadeiramente um carro de sonho que na época bateu o recorde de velocidade como veículo de rua mais rápido do mundo, atingindo 386,7 km/h graças à aerodinâmica revolucionária e ao baixo peso, de 1.140 kg, com chassi de fibra de carbono e motor de alumínio (BMW V12 6.1 com 600 cv). Só não foi um sucesso nas vendas porque era realmente muito caro.
O tempo, porém, mostrou que o Senna estava certo. Já em 1991, ele teve que se virar nos trinta para conquistar o seu terceiro título mundial (o primeiro foi em 1988 e o segundo, em 1990), lutando contra o Williams de Nigel Mansell e o Ferrari de Allan Prost.
E ele sentia que ficaria ainda mais difícil ganhar outros títulos a partir do ano seguinte, quando a McLaren começaria a produzir o carro de rua cujo projetista, tirado do time de competição, foi ninguém menos que Gordon Murray, conhecido como “o mago dos projetos da Fórmula 1”.
Nos anos seguintes, mesmo com o piloto operando milagres conseguindo vitórias em pistas de rua e nas corridas com chuva, o desempenho da McLaren foi decepcionante, principalmente quando comparado com a Williams do campeão de 1992, Nigel Mansell, e do tetra de Prost, em 1993.
Sabe quando a McLaren voltou a ser campeã? Somente sete anos depois, em 1998, com Mika Hakkinen, justamente no ano em que parou de produzir o superesportivo.
O Ayrton sempre me impressionou por ter uma visão bem acima da média. E esse caso do McLaren não foi o único. Nunca me esqueço da vez em que lhe fiz uma pergunta, após a coletiva de imprensa do GP Brasil de 1991 – quando ele ganhou pela primeira vez em Interlagos, com aquele final eletrizante depois de ter ficado com apenas a sexta marcha: “Na coletiva, você falou que seu McLaren ainda precisa melhorar para se tornar mais competitivo, mas como assim se você fez as poles e venceu as corridas dos dois primeiros GPs da temporada?”
E a resposta dele foi a seguinte: “O carro sempre precisa ficar mais competitivo e, quando a gente começa a ganhar, é comum os integrantes da equipe darem uma relaxada. Como eu sei que muitos deles acabam lendo as matérias, é sempre bom alertá-los de que ainda é preciso melhorar até o que já pode estar bom”, disse o piloto, que sempre dividia suas vitórias e conquistas com todos os integrantes da equipe.
Mesmo sendo um visionário, porém, duvido que naquela época o Ayrton imaginaria que um dia um dos carros de rua da McLaren teria seu sobrenome mais famoso. Embora sempre envolvida com projetos especiais de carros de rua, desde o tempo de Bruce McLaren, o sucessor do F1, o P1, surgiu apenas em 2013.
O McLaren Senna teve o seu lançamento oficial no Salão de Genebra, em março de 2018, cerca de dez meses depois de Ron Dennis ter se desligado da McLaren. Com preço nada acessível – de aproximadamente R$ 8 milhões –, as 500 unidades que seriam produzidas foram comercializadas rapidamente.
Tempos depois, a marca SENNA trouxe um protótipo desse carro, na cor laranja, para o Salão do Automóvel de São Paulo. E, antes da exposição que aconteceu entre os dias 8 e 18 de novembro, mais precisamente no dia 30 de outubro, justamente na data dos 30 anos do primeiro título do piloto, em Suzuka, no Japão, foi feita a apresentação pública do carro no Brasil, em um evento na loja da McLaren, no bairro dos Jardins, em São Paulo. Essa estreia foi um sucesso e chamou atenção para o estande da SENNA no Salão.
Mas a maior repercussão ainda estava por vir. Ela ocorreu meses depois, no Senna Day, um dia criado pela Fundação Ayrton Senna, em Interlagos, no dia 1º de maio de 2019, para marcar os 25 anos da despedida de nosso maior piloto. Nesse dia, convidados como o redator-chefe da QUATRO RODAS, Paulo Campo Grande, puderam dirigir o protótipo que foi adesivado reproduzindo a pintura do McLaren MP4/6, com o qual o Airton conquistou o tricampeonato.
Eu me orgulho muito de ter participado da elaboração desse evento e, em particular, de ter convidado o jornalista Ernesto Paglia, da TV Globo, para ser o primeiro a andar no carro. Explico: Paglia foi o último repórter a pilotar um veículo com o Senna em Interlagos, antes do fatídico acidente em Ímola, na Itália.
Foi um dia antes dos treinos do GP do Brasil de 1994, o Senna fez uma matéria com o Paglia, que o levou a dar uma volta em Interlagos de Ford Verona, que era usado como carro de apoio pela FIA (Race Control Car). A matéria ficou muito engraçada, com o Senna no banco do passageiro comentando a volta do repórter na pista.
Recordando dessa reportagem, sugeri à diretora do Fantástico, Roberta Belluomini, que o Paglia poderia ser o primeiro a dirigir o McLaren Senna, em Interlagos. O resultado não poderia ter sido melhor, porque o Fantástico misturou as cenas dos dois eventos, em uma reportagem emocionante.
Para a QUATRO RODAS, eu tentei levar o carro para um teste completo de desempenho na pista da revista. Mas os ingleses não autorizaram tirarmos os números do protótipo, já muito usado e sem os engenheiros da fábrica por perto.