Se a pena de um delito é uma multa, então a regra só vale para as classes mais baixas. O pensamento que, em tempos polarizados, pode soar como esquerdismo vem, na verdade, de Uri Gneezy, um pesquisador israelense da Universidade de San Diego (EUA).
Num estudo de 2000, Gneezy foi a uma escola de Israel que sofria com o atraso dos pais ao buscarem seus filhos, sugerindo uma multa para quem demorasse muito. Curiosamente, a pesquisa constatou que os atrasos dobraram, já que vários pais simplesmente pagavam a multa e mantinham o hábito de fazer o professor esperar até tarde. O valor pago expiava a culpa do comportamento errático, constatou-se.
É por isso que países de altíssimo desenvolvimento humano, como a Finlândia, cobram multas de trânsito baseadas na renda do infrator, havendo registros de infratores pagando até R$ 240.000 por excessos de velocidade. Os nórdicos concluíram que muito mais efetiva do que a igualdade (todos pagando o mesmo) é a equidade (todos sentindo dor equivalente no bolso).
A equidade ambiental é uma das abordagens mais defendidas para que consigamos mudar o rumo do planeta, que, mesmo em tempo de ser salvo, já faz sofrer moradores de ilhas oceânicas e zonas de glaciares ou quem vive do que a terra dá (ou dava).
Esse conceito pode ser aplicado à imensa maioria dos leitores de QUATRO RODAS, que vão dando adeus doloroso ao ronco do V8 e ao cheiro de gasolina. Tenha certeza: mesmo nas montadoras, muitos gostariam de nunca projetar um EV, mas já é consenso mundial que isso faz parte do esforço de guerra que teremos daqui em diante.
Otimistas, como eu, encaram de forma mais leve os perrengues de carregadores inoperantes ou tecnologias falhas que chegam às lojas. Mas é difícil ser assim quando regras de emissões encarecem o preço médio dos veículos e aprendemos um novo jeito de se mover sem aumentar o efeito estufa. Sem contar o canudinho de papel ou a coleta seletiva de lixo…
Os super-ricos, porém, estão sossegados e, mais do que não sentir a diferença de preço, contam com mordomias dos jatos particulares. Recentemente, a cantora Taylor Swift foi duramente criticada por realizar voos extremamente curtos com suas duas aeronaves.
Em um deles, o jatinho voou por oito minutos e se deslocou sem sair da região metropolitana de Los Angeles, num trajeto que duraria só 15 minutos de carro, mas gerou poluição equivalente a 116 automóveis a gasolina. É fácil para Taylor exibir ativismo progressista no palco (e lucrar com isso), mas não assumir o fardo de causas relacionadas, disseram muitos dos insatisfeitos.
Max Verstappen tem hábitos parecidos, viajando 119 vezes com seu jato em 2023 e emitindo, só com viagens, gases de efeito estufa equivalentes ao que 363 pessoas, em média, emitem por ano em todas as suas atividades. Mesmo o holandês sendo campeão de uma Fórmula 1 engajada em pautas sociais e ambientais, seu avião realizou até um voo de meros 25 km entre praias da França.
Podemos citar exemplos problemáticos muito além do entretenimento, mas também existem aqueles que procuram soluções. Como vários órgãos públicos da Europa que, gradativamente, vêm proibindo o uso de aviões comerciais por servidores se a viagem de trabalho puder ser feita por trens e o trajeto dure menos de três horas (o tempo exato varia conforme o país). Até a BBC embarcou nessa, tal como empresas que abriram mão de uma eficiência residual no deslocamento de seus executivos em troca de compromisso com causas maiores.
No exemplo da F1, é óbvio que não existe trem que atenda ao calendário global. Recentemente, porém, um documentário sobre o título da Brawn GP em 2009 focou no esforço do time para sobreviver (e vencer) com orçamento enxuto. A série traz imagens de Jenson Button e Rubens Barrichello voando em companhias daquelas que nem amendoim oferecem a bordo, e nada disso impediu uma das histórias mais incríveis do automobilismo.
Sendo menos radical, é fácil concluir que os mesmos responsáveis por uma das operações logísticas mais complexas do mundo poderiam, facilmente, reduzir a pegada de carbono com menos viagens. Pilotos, mecânicos e outros funcionários voariam em classes executivas mais confortáveis que hotéis de qualidade, fazendo muito com pouco.
Sem os jatinhos, estrelas do showbiz continuariam fazendo turnês globais, no máximo ampliando o espaço entre uma data e outra – algo que certamente não atrapalharia os fãs. Atrapalharia, porém, a imensidão de compromissos comerciais que ajudam nomes como Swift a acumular bilhões em patrimônio.
Mas e os famosos créditos de carbono? Estudos como os da Universidade de Berkeley (EUA) e até da Compensate (empresa que afirma vender créditos de carbono realmente úteis) vêm mostrando que o mecanismo compensa, de fato, só uma fração da poluição gerada. Pior ainda, a facilidade de aliviar a consciência pagando só reforça o comportamento errático, tal como visto por Uri Gneezy há 24 anos.
Enquanto isso, mecânicos da nossa vizinhança retomam os estudos a fim de atualizar o ofício para a fase dos carros elétricos. Pais de família economizam aqui e ali para bancar o financiamento do carro, que encareceu após novas regras ambientais. Vendedores lutam para dar saída ao catálogo cada vez mais eletrificado das suas marcas, garantindo as comissões que são boa parte de sua renda familiar. Fãs de carros aprendem a dizer adeus aos veículos que conhecem desde a saída da maternidade e virarão relíquias.
O comprometimento é a medida mais eficaz justamente porque nada melhor do que o envolvimento coletivo para suavizar as renúncias alheias. E, ainda que houvesse como pagar por isso, é difícil acreditar que a base da pirâmide veria a cor desse dinheiro em algum momento.