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Quero esse carro. E agora!

Por Jeremy Clarkson
26 jul 2013, 12h27

Diz a lenda que, quando Frank Sinatra pôs os olhos no Jaguar E-Type no Salão de Nova York, ele disse: “Quero esse carro. E quero agora”. O E-Type causava esse efeito. Implicantes diziam que os exemplares que você realmente podia comprar não chegavam à velocidade divulgada de 150 mph (240 km/h) e naquela época todo mundo sabia que a expressão “feito na Inglaterra” era outra forma de dizer que você chegaria a qualquer lugar envolto em uma nuvem de fumaça e óleo. Mas o E-Type era tão deslumbrantemente lindo que os homens perdiam sua capacidade de raciocinar. Eles não se importavam com o preço, com todo o desconforto ou mesmo com o consumo médio de 2,5 km/l. Eles tinham de ter um.

E agora a história se repete, com o F-Type. Eu vi as primeiras fotos que vazaram do carro, e até mesmo algumas mulas camufladas sendo testadas. E botei na cabeça que o modelo não seria nada mais do que um XK deixado tempo demais na secadora de roupas. Eu estava errado. Muito errado. É um carro espetacularmente bonito. O ressalto dos arcos das rodas, o comprimento do capô, a lisura da tampa do porta-malas, o ângulo da janela traseira… Cada detalhe é impecável. Deve ter havido a tentação de incluir algo de retrô, em homenagem ao E-Type. Mas, além das lanternas finas, não há nada. Por isso ele é perfeito e moderno. E, enquanto ficava olhando feito bobo, tive meu momento de Frank Sinatra. Eu tenho de ter esse carro. E tenho de ter agora. Alguns dias mais tarde, no entanto, depois de terminar o test-drive, comecei a ter minhas dúvidas.

Quando eu era pequeno, os donos de Jags costumavam usar no carro capas de couro de ovelha e tomavam todo o cuidado quando sentavam no banco. Eles também costumavam ser bem silenciosos. Porque seus carros normalmente quebravam. Por todo o mundo, eles eram conhecidos por essas duas qualidades: silêncio e conforto. O F-Type não oferece nenhuma dessas coisas. Eu testei o motor V6 da versão S e ele é um pacote de fúria mal e mal controlada. É o carro mais furioso, brutal e barulhento  que já encontrei nos últimos tempos. E então descobri um botão no painel que deixa o escapamento ainda mais alto. Mesmo sem acelerar, quando está se aproximando de um cruzamento, um inteligente sistema de borboletas faz com que o escapamento continue dizendo “presente”. Ele soa como um fogo de artilharia distante. Então você passa pelo cruzamento, aperta o acelerador e… Uau! Parece que você se tornou parte de um projétil de artilharia.

Nem consigo imaginar direito como deve ser o V8 de 5 litros, porque o poder de fogo do V6 de 3 litros é selvagem o suficiente. Em um minuto você está equilibrando o acelerador contra a interrupção do sistema de controle de tração e no seguinte você está voando na estrada, com velocidade incrível, sangue escorrendo por seus tímpanos estourados e com o cabelo pegando fogo. “Empolgante” nem começa a descrever a emoção de pegar este esportivo pelo cangote e cravar o pé. Direção, freios, aderência? Nem tenho ideia de como são. Concentrar-se em detalhes em um carro como este é como tentar jogar xadrez mentalmente enquanto se está sob o fogo de uma metralhadora.

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No entanto, sob o verniz de violência horripilante, a cabine é bem civilizada. Há porta-copos, GPS e Bluetooth. Embora haja borboletas atrás do volante, elas são conectadas a um câmbio verdadeiramente automático – não um automatizado, uma unidade manual convertida desajeitadamente que é vendida a entusiastas mal informados como um acessório de corrida estilo F-1, mas que na verdade é uma geringonça de economizar combustível para agradar aos mesquinhos burocratas europeus. Acima de tudo, o interior é tão bonito quanto o exterior.

No entanto, há alguns probleminhas. As luzes de alerta nos retrovisores das portas foram projetadas para acender sempre que um veículo estiver no seu ponto cego. Mas na verdade elas “alertam” sobre praticamente tudo: árvores, muretas de proteção, postes pelos quais você acabou de passar, igrejas, maçãs e por aí vai. E acessar algumas das funções do dia a dia exige navegar por um número considerável de submenus no computador de bordo. Você pode pressionar um botão que torna o carro mais esportivo – se é que isso é possível –, mas, se quiser deixar a direção e o câmbio no modo confortável, você precisa ser realmente um gênio em informática.

Eu poderia viver com tudo isso. Poderia até viver com o preço, que é muito alto. Mas há coisas que me causariam dor de cabeça. Em primeiro lugar, o carro do teste não tinha porta-malas. Bem, porta-malas tinha, mas tomado por um estepe de perfil fino. Não sobrava espaço sequer para minha pasta. Muitos dos testes publicados sobre o F-Type até agora não mencionaram isso, como se não importasse. Mas acho que, no mundo real, você vai querer às vezes levar algo mais do que o passageiro. E você não pode.

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Mas o maior problema de todos é o seguinte: os Jaguar têm se tornado cada vez mais firmes. Os engenheiros parecem ter ficado obcecados com ajustá-los para andar bem em Nürburgring. E só lá. Mas com o F-Type eles ficaram malucos. Ele está no limite do suportável a 110 km/h numa rodovia, mas na cidade, especialmente em buracos, é uma piada. Eu achava que meu Mercedes CLK Black Series já era duro, mas o F-Type está em outra categoria. Não conheço outro carro que seja tão ruim para negociar irregularidades do piso. Ao ver uma tampa de bueiro, você deve se preparar para o solavanco assim como um boxeador se prepara para receber um soco. E, enquanto sente seu esqueleto rangendo e estalando, não tem como não ficar assustado.

Quando devolvi o F-Type à Jaguar, dei-me ao trabalho de pegar emprestado um Porsche Boxster por uns dias. Ele também é um conversível de dois lugares, e até hoje ninguém disse que ele é ruim de dirigir em qualquer aspecto. Bem ao contrário. Sua aderência e dirigibilidade são muito elogiadas. Apesar disso, você pode passar com ele sobre lombadas e tampas de bueiro sem causar dor ao motorista.

Isso, no entanto, é irrelevante. Porque comparar o F-Type com o Boxster é como comparar uma modelo capa de revista recente com a Angela Merkel. Eu posso ficar aqui o dia todo falando que a modelo tem uma voz estridente, horrível, uma doença venérea virulenta e propensão para violência extrema, e que a senhora Merkel é muito inteligente e uma companhia agradável, mas eu sei qual você ia preferir levar para a cama. A mesma coisa vale para o Jag e o Porsche. Eu respeito os carros da Porsche imensamente. Mas não poderia deixar de lado o visual do Jag, o ronco que ele faz ou sua cabine, absolutamente certa. Eu compraria o Jag. E suspeito que você também. É uma pena que os únicos vencedores reais venham a ser os médicos que tratam de dores na coluna.

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