Recebi uma carta de leitor que dizia que hoje estamos vendo muitos carros novos rebocados por guinchos porque seus complexos sistemas eletrônicos deram problema. Ouve-se esse tipo de coisa com frequência. As pessoas estão sempre dizendo que seu carro pifou por falhas da eletrônica embarcada. Que o alarme do carro é disparado pelo controle remoto da TV do vizinho. Que, uma semana depois de tirar o carro da loja, os vidros começaram a subir e descer por conta própria. Essas pessoas são obviamente discípulos de Charles Babbage, o engenheiro do século 19 que acreditava que a falibilidade humana um dia seria superada pela certeza infalível da máquina e que uma vez, tendo encontrado inúmeros erros em um conjunto de tabelas astronômicas, exclamou: “Como eu gostaria que esses cálculos tivessem sido executados a vapor!”
Se visitar o Museu de Ciência e Indústria de Manchester, você pode entender melhor o que ele estava querendo dizer. Você pode observar as hastes, rodas dentadas e rodas livres bombeando e girando e pensar: “Aquele pistão vai bater naquela roda da próxima vez”. Mas ele nunca bate. Cada componente passa precisamente à mesma distância dos demais, todas as vezes. Para sempre. Equipamentos eletrônicos, no entanto, são diferentes. Um eletrônico pode fazer a mesma coisa 1 milhão de vezes, mas daí chega um dia em que ele simplesmente trava. E então você tem de desligá-lo e ligá-lo novamente, ou tirar o aparelho da tomada e aguardar 10 segundos antes de religar. Para mim, tanto a engenharia mecânica como a elétrica/eletrônica estão no reino da ficção científica. Eu não entendo nenhuma delas. Como uma bateria armazena eletricidade? Como uma caixa de câmbio funciona? Eu deixo que alguém me explique de tempos em tempos, e meus olhos brilham de admiração. E, se for o James May, de tédio – seguido por uma vontade de cortar sua cabeça.
Eu posso fazer uma torta de carne. Eu também posso fazer uma pintura de um cachorro que você reconheceria como sendo um cachorro. Eu posso fazer arranjos de flores, serrar madeira e várias coisas, de um jeito amador. É por isso que não tenho muita admiração por cozinheiros ou carpinteiros. Porque eu consigo mais ou menos fazer o que eles fazem. Mas sou incapaz de realizar qualquer tarefa de engenharia. É por isso que faço uma reverência sempre que estou em companhia de um homem que tem um diploma de engenharia. É também por isso que gosto tanto deste trabalho: porque a cada semana fico assombrado pelas habilidades daqueles que sabem como construir uma embreagem.
O que me leva ao novo Porsche Panamera S E-Hybrid. Eis um carro que conta com engenharia mecânica e eletrônica em medidas iguais. Ele é encanto e feitiçaria. Mito e lenda. Charles Babbage e Steve Jobs. E eu não entendo nada disso, ou a que se destina. Entendo que você possa querer um Porsche. Sua mulher o trocou pelo instrutor de tênis e, embora seus joelhos estejam começando a doer e seus cabelos já estejam grisalhos, você acha que ainda tem muita vida a viver pela frente. Então você compra um Porsche, e não vejo problema nisso. O problema que vejo é por que você escolheria um Panamera. Porque ele não é o que poderia se chamar de bonito. É como aquela tal de Kardashian: você pensa que ela tem de ser atraente, porque todo dia é publicada uma nova foto dela praticamente pelada. Mas ela não é.
No entanto, se quiser um Porsche porque seus joelhos já não são os mesmos, porque sua mulher o trocou pelo instrutor de tênis e por alguma razão você precise de quatro lugares e um porta-malas grande, então eu posso até entender – com algum esforço – por que você ignoraria o estilo e escolheria um Panamera. Mas não consigo imaginar, por nada neste mundo, por que você escolheria uma versão híbrida desse modelo.
Em termos tecnológicos, ele é muito inteligente. Você anda muito por grama de dióxido de carbono emitido, o que significa que se você for um motorista profissional pode economizar umas 2,75 libras (R$ 11) em impostos por ano na Inglaterra. Bom, isso poderia ser relevante se estivéssemos falando de um Volkswagen Up!. Mas não estamos. Estamos falando de um Porsche que custa 88 967 libras (mais de R$ 350 000). E preocupar-se com o imposto de emissões é como se preocupar com o preço do cafezinho depois de jantar num restaurante de luxo.
É claro que, pela economia de combustível, você terá de encher o tanque com menor frequência, o que é ótimo. Mas, se essa é sua principal preocupação, por que não compra logo a versão diesel? Por que ficar com o híbrido, tremendamente complicado? Ao contrário de um híbrido normal, como o Toyota Prius, o Porsche consegue andar mais do que 1 km usando só eletricidade. Na verdade, com um pé direito comedido, condições de tráfego apropriadas e a pressão atmosférica certa, ele pode rodar só com sua bateria até 35 km.
Mas daí você tem de ligá-lo à rede elétrica para recarregar a bateria. O que leva horas. Sim, você pode usar o motor a gasolina do carro para fazer isso, mas a Porsche diz que, se usar o motor convencional para fazer as rodas girarem e carregar a bateria ao mesmo tempo – o que acontece em um Prius –, você pode prejudicar um urso polar. Como é? Deixei escapar alguma coisa? Este é um Porsche, certo? Fornecedor de carros esportivos de luxo para a fraternidade mundial de milionários? Esta empresa está sugerindo seriamente que um homem de negócios cujo trabalho consiste em comprar e vender petróleo e gás vai dar a mínima se está produzindo dióxido de carbono demais? Você acha que ele vai ficar dando voltas procurando por um ponto de recarga e depois ficar esperando só para evitar que um urso polar possa ter um leve ataque de asma? Duvido muito.
Comprar este carro e não usar o motor para carregar a bateria é como comprar um televisor com controle remoto e então trocar de canal usando os botões do aparelho. Não vai acontecer.
Na verdade, não vai acontecer porque eu não consigo ver qualquer pessoa comprando este carro, exceto nos EUA. Ninguém é bobo o suficiente. E vou falar sinceramente: meu test-drive foi curto. Mas durou o suficiente para detectar um barulho preocupante na suspensão dianteira nas curvas. O som pareceu mecânico para mim. Previsivelmente.