Marco de Bari tinha duas habilidades incomuns: uma delas era seu talento para a fotografia. Um artista espetacular, cujas lentes nos levaram a descobertas que nossos olhares são incapazes de perceber. Mas isso é um detalhe. Outra aptidão que ele executava com maestria era a capacidade de transformar as pessoas. O “Vovô” sempre contagiou o ambiente em que estava com sua alegria e vivacidade. Não havia pessoa que, no mínimo, não o classificasse como “gente boa”.
Ele se interessava legitimamente por todos os que cruzavam seu caminho. Bari levava meia hora para almoçar. E outra meia hora só para cruzar os 50 metros que separavam a redação da Quatro Rodas do restaurante da empresa. Ele não conseguia caminhar sem esbarrar em conhecidos. E esse privilégio ele viveu como ninguém: recebeu carinho e admiração no auge.
Daí o apelido. Chamá-lo de Vovô era o melhor elogio para o melhor da turma. Ao contrário do que acontece com os carros, pessoas melhoram conforme a quilometragem aumenta. E Bari tinha muita: 37 anos dedicados ao ofício. E quase 30 fotografando para a Quatro Rodas. Ele compartilhava conhecimento, técnica e experiência com quem fosse, com humor e disposição de garoto. Pelo menos duas gerações de fotógrafos automotivos foram formadas e influenciadas por sua obra.
Sem dúvida, Marco de Bari era o melhor fotógrafo de carros do Brasil. A técnica fotográfica e a sensibilidade no olhar se somavam a um profundo conhecimento automotivo. Apaixonado pelo trabalho e por carros, chegou até a aprender a pilotar – era um dos melhores pilotos da redação, aliás. Essa combinação se refletia nas páginas de Quatro Rodas: composições que destacavam os traços e detalhes que nenhum texto poderia descrever. Suas imagens, belíssimas, eram repletas de informações, perfeitas para atender os exigentes leitores da publicação.
“Tenho ele como referência na minha carreira profissional. E continuará fazendo a diferença, mesmo tendo nos deixado”, afirma Guilber Hidaka, diretor da produtora Bufalos. Ele também era extremamente exigente com a integração entre o carro fotografado e a locação. Não admitia que fios, manchas de óleo no asfalto, postes ou reflexos na lataria interferissem em seus cliques. “Sempre fiquei impressionado com seu perfeccionismo e otimismo”, diz Alexandre Battibugli, fotógrafo (ex-Placar).
A carreira na revista começou em 1989. Ele era um iniciante que raramente tinha a chance de fotografar carros, mas a ausência de profissionais na redação levou o editor da Quatro Rodas a chamá-lo para fazer a capa, de última hora. O Escort XR3 1.8 amarelo deu início a uma era que se estenderia até julho de 2016. Trabalhou quase 30 anos ininterruptos.
Testemunhou diversas reformas gráficas e reestruturações e fez parceria com quase uma centena de repórteres em uma quantidade incontável de matérias. Na sua última grande reportagem, Bari fotografou os takumis, mecânicos-artesãos que montam à mão os motores do Nissan GT-R e assinam suas obras ao fim de cada trabalho. Ele conferia o mesmo nível de esmero aos seus trabalhos. O fotógrafo estava entre iguais.
Bari adorava velocidade e realizou seu sonho registrando as grandes provas do automobilismo: Fórmula 1, 500 Milhas de Indianápolis, Le Mans. Conheceu alguns ícones – num trabalho primoroso, mostrou a intimidade de Ayrton Senna pouco antes do acidente que o mataria. Também passaram por seu crivo coisas que não tinham motor e pneus. Teve uma mostra dedicada a suas fotos sobre tatuagens, outro tema de que gostava. Palmeirense roxo, assistia a todos os jogos – no estádio ou no Bar do Tonico, reduto de palmeirenses em São Paulo, sua cidade natal.
Vovô morreu jovem. Tinha 53 anos, nem era tão mais velho que os outros jornalistas da redação. Mas era o que mais sabia. É difícil entender. É difícil aceitar. Mas o mundo está aí fora para a gente descobrir e fotografar. Anote o que ele disse: “Temos que olhar e prestar atenção no que estamos vendo”. Também podemos nos esforçar para fazer como ele ensinou: seja bom com os outros e curta a viagem.
Bari não está mais aqui, mas não vai nos deixar. Vovô é pra sempre. A gente nunca se esquece do nosso. Saímos da infância, crescemos, tocamos a vida, mas a memória não se apaga – vive enquanto existirmos. Com a lembrança de Bari não será diferente: ficará impressa em nossos corações, em nossas mentes e nas milhares de páginas que ele publicou.
Nós, amigos, somos muitos. Então teremos bastante coisa boa pra lembrar. Fora a saudade, que já bate forte, fica a primeira reflexão: nunca fomos só amigos. Somos fãs. E a gente te ama, Vovô.