Palavra não é muito bonita, mas a ideia é boa. Ergonomia deriva do grego ergon, trabalho, e nomos, regulamentação, normas. Designa, em curtas palavras, a adaptação de um ambiente, posto de trabalho e comandos ao nosso esforço. Em inglês, ergonomia é frequentemente chamada de human factor, ou fator humano.
Normalmente, nos estudos mais técnicos, a disciplina é dividida em três abordagens: ergonomia física – relacionada à anatomia humana, à antropometria -, fisiologia e biomecânica. Diz respeito a alguma atividade humana e envolve ação e movimento, ergonomia cognitiva (referente aos processos mentais de aquisição de conhecimento) e organizacional (relacionada aos processos de trabalho empresariais). É claro que, para o tema que nos interessa – a pilotagem de motos -, a ergonomia física é a mais importante.
O cockpit de uma motocicleta é um posto de trabalho, e dos mais sofisticados. Praticamente todos os músculos do corpo são exigidos na pilotagem, não importa qual seja a moto utilizada. Tronco e cintura, pescoço e cabeça, braços e mãos, pernas e pés: todo o corpo participa ativamente da direção, mesmo na mais relaxada e descompromissada – que dirá em uma tocada esportiva.
Uma moto ergonomicamente perfeita atenderia igualmente bem a todos os biótipos de motociclista, mesmo que fossem requeridas algumas regulagens, como as de selim, guidão e pedaleiras. Isso já acontece há tempos na maioria dos automóveis, por exemplo, independentemente de serem esportivos ou jipões. Acontece que a ergonomia em motocicletas mal começou a ser aplicada.
REGULE SEM MODERAÇÃO
As mais ergonomicamente planejadas são as que oferecem o maior número de possibilidades de regulagem, que contemplam (ou deveriam contemplar, pelo menos) altura do banco, profundidade do encosto ou apoio traseiro (quando tiver), altura das pedaleiras, distância de manetes de embreagem e freio dianteiro, altura e profundidade do guidão, altura dos pedais de câmbio e de freio traseiro etc. Entre as motos modernas, diversas oferecem essas regulagens. Ocorre que muito poucos motociclistas se preocupam em ajustálas. Não cometa o mesmo engano: você só tem a ganhar, especialmente em longas permanências sobre a moto, seja em viagens, seja no trânsito.
Assim, a consideração mais óbvia na escolha de uma moto é a altura (a dela e a sua mesmo). Em nossa ficha técnica padrão consta a altura do assento – dimensão-chave para o equilíbrio com a moto parada – e demais medidas da moto, incluindo peso. Por mais que todo motociclista seja em geral bem disposto a enfrentar toda sorte de desafios, vale a pena escolher uma moto adequada a seu biótipo.
O site norte-americano cycle-ergo.com indica a moto mais adequada para cada piloto. Funciona assim: você escolhe a moto (modelo e ano) e indica suas medidas (não se esqueça de alterar as medidas para o sistema métrico, senão fica aquilo de polegadas e pés que ninguém entende) de altura e cavalo (o comprimento da perna ou a distância entre a virilha e o chão, que é pedida em inglês como inseam).
CARDÁPIO VARIADO
Inicialmente, só havia motos de um tipo: as street, de passeio. Logo surgiram dezenas de variações, cada uma voltada a uma aplicação específica. As primeiras variações foram as fora de estrada, as scramblers, trail e motocross, logo dotadas de rodas de grande diâmetro para melhor superar obstáculos. É claro que montar suspensões de longo curso em uma moto a afasta do chão, elevando sua altura, o que as rodas de maior diâmetro acentuam. Assim, motos com maior curso nas suspensões e rodas maiores são sempre mais altas.
Em seguida, com o crescimento das competições em autódromos e estradas, vieram as motos carenadas, para vencer a resistência do ar em altas velocidades com maior eficiência. Nas superesportivas, com o peso deslocado à frente e a coluna vertebral em ângulo fechado na direção do farol, as pernas ficam recolhidas e bem fechadas, com as pedaleiras muito recuadas: a postura é a mais aerodinâmica possível.
Nessa posição, a coluna não é muito pressionada verticalmente, pois o peso do tronco é dividido com os punhos. Também a pressão do vento no peito é menor, diminuindo a carga nos braços, outro ponto positivo. A posição é a melhor para fazer curvas de alta, mas exige preparo físico. Acabam por aí as vantagens ergonômicas das superesportivas. O resto das medidas em uma dessas motos é desolador. O ângulo das pernas é fechado, o esforço do pescoço para reter o movimento de bater o queixo e o peso sobre os punhos, apoiados nas rígidas bengalas dianteiras, são sacrificantes. Muitas horas nesse posto de trabalho resultam em dor.
A postura das custom é ainda pior – sob o ponto de vista ergonômico. A ideia de viajar com os pés à frente, apoiados em plataformas que impõem uma inclinação fixa a eles, com todo o peso do corpo sobre os glúteos – sem possibilidade de dividir a carga com as pernas -, parece assustadora. Algumas custom ainda forçam os cotovelos e punhos para cima: as mais radicais chegam a causar formigamentos nas mãos. Além disso, a força do vento sobre o peito é incômoda em alta velocidade.
A coluna vai ereta, o que parece positivo, mas ela leva muitos impactos secos, transmitidos por suspensões rígidas e de curso mínimo, necessárias para manter essas low rider bem baixinhas e amigáveis a todas as estaturas.
Genericamente – pois há exceções -, as custom têm outro problema sob o ponto de vista do fator humano: a posição do painel. Com capacete fechado, é um esforço grande checar a velocidade antes de cada radar fixo, por exemplo. É preciso abaixar o queixo até tocar o peito para ver o velocímetro, que só foi colocado ali por uma questão de estilo, em detrimento da funcionalidade.
As trail (especialmente as grandonas) têm sido citadas como exemplos de ergonomia e conforto. Possuem boa postura, é verdade, e realmente permitem uma postura ereta, dividindo o esforço com as pernas, que, por sua vez, se acomodam num ângulo natural de repouso. Os guidões também permitem a postura relaxada dos braços: nem muito baixos, nem muito altos. A suspensão, geralmente mais macia e de longo curso, também acaba sendo mais generosa com a coluna ao absorver a maior parte dos baques e solavancos. Ocorre que os discos da coluna cervical ficam muito comprimidos para aguentar pancadas em um ângulo tão vertical e as consequências, mesmo que a longo prazo, podem ser graves.
Resultado: em termos de ergonomia e posição de pilotar, estavam certos os pioneiros, aqueles que motorizaram as bicicletas. Na abordagem do fator humano, as melhores motos são as street. As grandes touring são quase perfeitas, mas muito exclusivas.
MANCADAS ERGONÔMICAS
» Os botões dos piscas das Harley, um de cada lado
» O botão de acionamento de buzina das BMW
» Os cilindros das boxer, que batem na canela
» Espelhos que miram os ombros
» Plataformas com inclinação fixa para os pés
» Bolhas que jogam vento sob o capacete – e não sobre ele
» Tanques que obrigam a andar de pernas abertas
» Escudos de scooters e cubs que raspam os joelhos
» Painéis e instrumentos no tanque
» Sissy-bars e top cases nos quais se raspa o pé ao abordar a moto
» Pezinhos laterais muito difíceis de encontrar
» Garupa em superesportivas: era melhor não ter…