Em 2002, uma reportagem de QUATRO RODAS destacava as maiores preocupações de motoristas comerciais, como motoboys e condutores de ônibus, em São Paulo. Naquela época, nem sequer havia smartphones (tampouco aplicativos) e a grande reclamação do taxista Márcio Evangelista de Souza era com a violência urbana. “Desconfie também de quem, para puxar conversa, pergunta se você começou a trabalhar cedo ou se troca 50 reais”, explicava.
Clique aqui e assine Quatro Rodas por apenas R$ 7,90
Ao mesmo tempo, entretanto, a briga pelos passageiros de táxi na capital surgia com competidores incomuns: o EMB-120 Brasília da Oceanair e o Boeing 737 da Varig.
Caos urbano
Fundada em 1998, a Oceanair começou como uma empresa de táxi aéreo que logo abocanhou voos regulares no vácuo da Rio Sul — subsidiária da Varig que também caminhava para seu fim.
O marketing inusitado da nova empresa sempre rendia, e seus aviões coloridos marcaram as memórias de quem frequentava aeroportos na época do Penta. Também foi assunto a mudança de nome dos seus Fokker 100 para MK-28, a fim de não causar medo nos passageiros que temiam sua fama de “agourado” por conta dos acidentes da Tam.
Uma das ações mais inusitadas, porém, ocorreu quando a empresa iniciou curtíssimos voos regulares entre os aeroportos de Congonhas e Guarulhos, a fim de oferecer locomoção rápida em uma metrópole que ainda vivia reflexos dos inquietos anos 1990, quando obras de mobilidade caros foram realizadas sem benefício equivalente; ao todo, essa dívida representava mais do que o orçamento municipal para 1997, e no corte de gastos a Secretaria de Vias Públicas perdeu cerca de 70% de seu orçamento.
Piorando tudo, a crise financeira do momento estimulara o transporte coletivo clandestino, que competia com ônibus de linha pagos pelos custos de operação ao invés de por passageiros transportados. Como o serviço tinha prejuízos com a concorrência irregular, os gastos com subsídios aumentavam sem melhorias aos passageiros e motoristas, que sofriam com sucessivos recordes de congestionamento na virada do milênio.
De olho nisso, o voo “urbano” foi inaugurado em julho de 2002, e visava tanto executivos que precisavam se deslocar para ou de Guarulhos quanto passageiros em conexão, que precisariam tomar ônibus ou táxi entre os aeroportos.
O táxi era, inclusive, o parâmetro para as tarifas do voo, realizado pelo clássico turboélice EMB-120 Brasília, com 30 lugares, e a passagem era oferecida a R$ 59, contra até R$ 75 dos carros brancos em horário de pico.
Como seria inviável operar um avião exclusivamente para essa rota, o trecho paulistano fazia parte de uma viagem maior, que na ida começava em Congonhas e, depois de Guarulhos, seguia ao Rio de Janeiro, Macaé e Campos dos Goytacazes. A partida ocorria de segunda a sexta, às 18h.
Já o caminho à Zona Sul era feito por um EMB-120 que partia de Ipatinga, Minas Gerais, e seguia para Vitória, antes de cumprir o caminho inverso pelas cidades cariocas e buscar passageiros apressados em Guarulhos. A decolagem final ocorria às 20h30, pousando 20 minutos depois no aeroporto mais movimentado do Brasil.
Isso significa que a rota não estava livre de atrasos, que podiam ocorrer por conta das escalas anteriores, condições meteorológicas e o sempre intenso tráfego aéreo de São Paulo. Além disso, o processo de check-in era presencial, fazendo passageiros que não viessem de escalas se apresentarem no balcão com 1h de antecedência.
Não decolou
Mesmo com todos os desafios, o presidente da Oceanair, Germán Efromovich, previa 75% de ocupação média na rota, feita a pouco mais de 1 km de altitude. Logo na estreia, porém, era difícil superar a marca dos 20% de assentos vendidos, de modo que a operação foi cancelada logo. Menos de um ano depois o voo ainda retornou mais barato (R$ 52) e com frequência de manhã e à tarde, mas sem sucesso.
A própria companhia aérea percebeu a incompatibilidade entre o rígido sistema da aviação comercial com a flexibilidade de trajetos urbanos e optou por separar suas operações regulares e de táxi aéreo — com normas diferentes.
Mesmo com o fracasso significativo da concorrente, a Varig ainda via futuro na rota e chegou a tentá-la uma última vez, com um Boeing 737 muito maior e mais caro que o bimotor brasileiro. A tentativa final foi pauta da revista Viagem & Turismo em setembro de 2004, constatando apenas um passageiro além da então repórter Maria Carolina Abe, que repetiu a rota por táxi.
No ar foram apenas 10 minutos, antecedidos pelo check-in especial com apenas 15 minutos de antecedência. À época a mesma rota via táxi, com trânsito melhor que a média, levou 40 minutos e custou R$ 105. “Apesar de soar absurdo pegar um avião para chegar de um ponto a outro praticamente dentro da mesma cidade, o céu é mesmo melhor e menos prejudicial aos nervos. Além de ser um passeio sui generis”, concluiu.
Obviamente o trecho fazia parte de uma rota maior; especificamente a que ligava São Paulo a Navegantes, Santa Catarina. Nela o “viaduto aéreo” era diário, partindo de Congonhas às 11h30 e voltando às 18h15 de GRU. Mesmo assim, a taxa de ocupação seguiu baixíssima e, aliada aos custos elevados de um jato comercial, tornaram o “desvio” impraticável dentro de pouco.
Desde então, não houve outras tentativas de repeti-lo, ainda que a Azul tenha feito algo parecido em 2012, oferecendo brevemente voos entre Congonhas e Viracopos, em Campinas. Atualmente Oceanair e Varig não existem mais, mas a guerra pelo futuro dos veículos voadores particulares, que se deslocam de ponto a ponto (VTOLs), sim; com empresas como Hyundai e Uber no páreo.
Em projeto bem diferente do EMB-120 Brasília, Embraer também vem confiante na briga, e seu VTOL está em fase avançada de desenvolvimento. De olho nas lições do passado, a brasileira é uma das pioneiras no desenvolvimento da complexa infraestrutura necessária para os voos urbanos do futuro próximo, com maiores chances de sucesso.
Não pode ir à banca comprar, mas não quer perder os conteúdos exclusivos da Quatro Rodas? Clique aqui e tenha o acesso digital.