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Em 2004, voos comerciais entre Guarulhos e Congonhas competiam com táxis

Antes dos aplicativos, o inimigo de taxistas era o Boeing 737 da Varig e o EMB-120 da Oceanair que driblavam o trânsito caótico da metrópole paulistana

Por Eduardo Passos
Atualizado em 21 fev 2021, 21h34 - Publicado em 21 fev 2021, 10h10
Boeing 737-500, da Rio-Sul, decolando do Aeroporto de Congonhas.
Antes do Uber Black, chique era cruzar São Paulo de Boeing (Antonio Milena/Viagem e Turismo)

Em 2002, uma reportagem de QUATRO RODAS destacava as maiores preocupações de motoristas comerciais, como motoboys e condutores de ônibus, em São Paulo. Naquela época, nem sequer havia smartphones (tampouco aplicativos) e a grande reclamação do taxista Márcio Evangelista de Souza era com a violência urbana. “Desconfie também de quem, para puxar conversa, pergunta se você começou a trabalhar cedo ou se troca 50 reais”, explicava.

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Ao mesmo tempo, entretanto, a briga pelos passageiros de táxi na capital surgia com competidores incomuns: o EMB-120 Brasília da Oceanair e o Boeing 737 da Varig.

Caos urbano

Fundada em 1998, a Oceanair começou como uma empresa de táxi aéreo que logo abocanhou voos regulares no vácuo da Rio Sul — subsidiária da Varig que também caminhava para seu fim.

O marketing inusitado da nova empresa sempre rendia, e seus aviões coloridos marcaram as memórias de quem frequentava aeroportos na época do Penta. Também foi assunto a mudança de nome dos seus Fokker 100 para MK-28, a fim de não causar medo nos passageiros que temiam sua fama de “agourado” por conta dos acidentes da Tam.

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Uma das ações mais inusitadas, porém, ocorreu quando a empresa iniciou curtíssimos voos regulares entre os aeroportos de Congonhas e Guarulhos, a fim de oferecer locomoção rápida em uma metrópole que ainda vivia reflexos dos inquietos anos 1990, quando obras de mobilidade caros foram realizadas sem benefício equivalente; ao todo, essa dívida representava mais do que o orçamento municipal para 1997, e no corte de gastos a Secretaria de Vias Públicas perdeu cerca de 70% de seu orçamento.

Piorando tudo, a crise financeira do momento estimulara o transporte coletivo clandestino, que competia com ônibus de linha pagos pelos custos de operação ao invés de por passageiros transportados. Como o serviço tinha prejuízos com a concorrência irregular, os gastos com subsídios aumentavam sem melhorias aos passageiros e motoristas, que sofriam com sucessivos recordes de congestionamento na virada do milênio.

Congestionamento na Alameda dos Maracatins, em Moema.
À época, motoristas precisavam enfrentar trânsito já caótico sem auxílio de aplicativos ou opções além de carro, táxi e ônibus (Renato Chaui/Quatro Rodas)

De olho nisso, o voo “urbano” foi inaugurado em julho de 2002, e visava tanto executivos que precisavam se deslocar para ou de Guarulhos quanto passageiros em conexão, que precisariam tomar ônibus ou táxi entre os aeroportos.

O táxi era, inclusive, o parâmetro para as tarifas do voo, realizado pelo clássico turboélice EMB-120 Brasília, com 30 lugares, e a passagem era oferecida a R$ 59, contra até R$ 75 dos carros brancos em horário de pico.

Aeronave Fokker MK28 (versão atualizada do Fokker 100), da Ocean Air, decola na pista principal do Aeroporto de Congonhas
Oceanair operou Fokker 100 “no sigilo”, rebatizando-o de MK-28 (J. F. Diorio/Agência Estado)

Como seria inviável operar um avião exclusivamente para essa rota, o trecho paulistano fazia parte de uma viagem maior, que na ida começava em Congonhas e, depois de Guarulhos, seguia ao Rio de Janeiro, Macaé e Campos dos Goytacazes. A partida ocorria de segunda a sexta, às 18h.

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Já o caminho à Zona Sul era feito por um EMB-120 que partia de Ipatinga, Minas Gerais, e seguia para Vitória, antes de cumprir o caminho inverso pelas cidades cariocas e buscar passageiros apressados em Guarulhos. A decolagem final ocorria às 20h30, pousando 20 minutos depois no aeroporto mais movimentado do Brasil.

Embraer EMB-120 Brasília, da Air Minas Linhas Aéreas.
EMB-120 Brasília da Air Minas, semelhante ao operado pela Oceanair (Acervo/Veja)

Isso significa que a rota não estava livre de atrasos, que podiam ocorrer por conta das escalas anteriores, condições meteorológicas e o sempre intenso tráfego aéreo de São Paulo. Além disso, o processo de check-in era presencial, fazendo passageiros que não viessem de escalas se apresentarem no balcão com 1h de antecedência.

Não decolou

Mesmo com todos os desafios, o presidente da Oceanair, Germán Efromovich, previa 75% de ocupação média na rota, feita a pouco mais de 1 km de altitude. Logo na estreia, porém, era difícil superar a marca dos 20% de assentos vendidos, de modo que a operação foi cancelada logo. Menos de um ano depois o voo ainda retornou mais barato (R$ 52) e com frequência de manhã e à tarde, mas sem sucesso.

A própria companhia aérea percebeu a incompatibilidade entre o rígido sistema da aviação comercial com a flexibilidade de trajetos urbanos e optou por separar suas operações regulares e de táxi aéreo — com normas diferentes.

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Mesmo com o fracasso significativo da concorrente, a Varig ainda via futuro na rota e chegou a tentá-la uma última vez, com um Boeing 737 muito maior e mais caro que o bimotor brasileiro. A tentativa final foi pauta da revista Viagem & Turismo em setembro de 2004, constatando apenas um passageiro além da então repórter Maria Carolina Abe, que repetiu a rota por táxi. 

German Efromovich, presidente da OceanAir, no Aeroporto Internacional de Guarulh Germano Luders Veja
German Efromovich, presidente da OceanAir (Germano Luders/Veja)

No ar foram apenas 10 minutos, antecedidos pelo check-in especial com apenas 15 minutos de antecedência. À época a mesma rota via táxi, com trânsito melhor que a média, levou 40 minutos e custou R$ 105. “Apesar de soar absurdo pegar um avião para chegar de um ponto a outro praticamente dentro da mesma cidade, o céu é mesmo melhor e menos prejudicial aos nervos. Além de ser um passeio sui generis”, concluiu.

Obviamente o trecho fazia parte de uma rota maior; especificamente a que ligava São Paulo a Navegantes, Santa Catarina. Nela o “viaduto aéreo” era diário, partindo de Congonhas às 11h30 e voltando às 18h15 de GRU. Mesmo assim, a taxa de ocupação seguiu baixíssima e, aliada aos custos elevados de um jato comercial, tornaram o “desvio” impraticável dentro de pouco.

Aviões da Varig no aeroporto de Congonhas.
Muito maior e voando bem mais vazio, Boeing 737 gerou prejuízo indiscutível (Monalisa Lins/Agência Estado)

Desde então, não houve outras tentativas de repeti-lo, ainda que a Azul tenha feito algo parecido em 2012, oferecendo brevemente voos entre Congonhas e Viracopos, em Campinas. Atualmente Oceanair e Varig não existem mais, mas a guerra pelo futuro dos veículos voadores particulares, que se deslocam de ponto a ponto (VTOLs), sim; com empresas como Hyundai e Uber no páreo. 

Em projeto bem diferente do EMB-120 Brasília, Embraer também vem confiante na briga, e seu VTOL está em fase avançada de desenvolvimento. De olho nas lições do passado, a brasileira é uma das pioneiras no desenvolvimento da complexa infraestrutura necessária para os voos urbanos do futuro próximo, com maiores chances de sucesso.

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