PRORROGAMOS! Assine a partir de 1,50/semana

Os carros que passam de pai para filho (e para neto)

Histórias de carros que se tornaram parte da família e passam de geração em geração

Por Simone Tobias
Atualizado em 8 ago 2021, 13h49 - Publicado em 17 mar 2016, 19h36

Pais e filhos

* Reportagem originalmente publicada em julho de 2010

Para o médico João Reinaldo de Oliveira Abrahão, de 58 anos, girar a chave do Chevrolet Impala 1967 significa bem mais que colocar o confiável motor de seis cilindros em funcionamento. O gesto dá a partida numa verdadeira viagem ao passado, tendo seu pai como protagonista das cenas vivas em sua memória.

“Automóvel nenhum tem validade sem história”, afirma. O Impala foi importado dos Estados Unidos e era a menina dos olhos do comerciante Sócrates Abrahão, que passava horas nos fins de semana totalmente dedicado à limpeza e manutenção do carro. Até que um dia, distraído com o trabalho, foi abordado na porta de sua casa, em São Paulo. Ele não percebeu que se tratava de um assalto. O ladrão, irritado, atirou nele e levou o carro.

O Impala ficou desaparecido por sete anos, até que, em 1983, foi encontrado em Uberaba (MG) e devolvido a João Reinaldo, seu atual dono. “Refiz o automóvel e o deixei o mais original possível”, diz ele. E o retorno do carro proporcionou a volta de uma antiga tradição de família, uma homenagem ao pai: hoje o Impala transporta noivas para a igreja no dia do casamento. Quem pode pagar faz uma doação ao Instituto do Câncer Arnaldo Vieira de Carvalho.

Para deixar o carro em forma, o médico aproveita o sábado para fazer reparos necessários. Um de seus programas é levar o Impala para passear na avenida Paulista, situação em que o automóvel entra na mira de fotos feitas com celular e ganha até aplausos. “Nesses momentos eu me lembro do quanto era prazeroso passar as férias no banco de passageiro. Gostaria que meus netos também gostassem de dirigi-lo.”

Ao que tudo indica, seu desejo pode ser apenas uma questão de tempo: o carro já foi dado ao filho Lucas, de 27 anos, terceira geração ao volante do Impala.

Continua após a publicidade

Feito em casa

Poucos podem se gabar de conhecer tão bem seus carros quanto o engenheiro mecânico Ricardo Prado, de 51 anos. Ainda criança, ele pôde acompanhar de perto cada etapa de fabricação de seu Puma GT 1966. O modelo foi o último a sair de fábrica e feito sob encomenda para seu pai, então gerente de produção da Vemag,  Antônio de Pádua Prado Santos.

“Meu pai comprou o chassi, pediu para a empresa realizar algumas alterações nos painéis e o montou na garagem de casa”, diz. “Apesar de ter 8 anos na ocasião, eu me lembro como se fosse hoje. Nós íamos todos os sábados até a fábrica ver como estava o chassi. Depois de algumas semanas veio a recompensa.”

Pais e filhos

Somente em 1975, o pai resolveu aposentá-lo. Por um triz o carro não foi vendido. Assim que passou no vestibular, o então aspirante a engenheiro desmontou o Puma por inteiro e ajustou cada peça, deixando o automóvel original e com disposição de sobra para participar de ralis de regularidade. Mas são as recordações de infância os momentos mais marcantes.

“No caminho para a escola, eu e meu irmão pedíamos para meu pai acelerar como se fosse um F-1”, afirma. “Era engraçado, meu pai não admitia um rival Volkswagen na pista ao lado e sempre acelerava o Puma para vencer o opositor. Na fase adulta, o carro era motivo para a gente discutir seus detalhes. Era uma dedicação tal qual a um animal de estimação. Meu pai deve se orgulhar do cuidado que tenho com sua conservação.”

Continua após a publicidade

Com um perfil menos esportivo que o Puma de Ricardo Prado, um antigo trabalhador goza, merecidamente, de um descanso reparador. Em Ribeirão Preto, interior de São Paulo, um Ford De Luxe 1938 é patrimônio da família Zanatto há 60 anos. Hoje, sob os cuidados do bisneto Elcio Zanatto Júnior, o Juninho, de 26 anos, o carro está parado, à espera de reparos, para que volte à boa forma dos tempos em que seu bisavô, Antônio, parou de dirigir e arrendou o veículo para ser táxi, na década de 60.

O Ford foi herdado por seu avô José, mecânico. Esse ofício, já na terceira geração, também foi um elo forte na família. Quando o carro quebrou, na década de 90, filhos e netos juntaram-se com o objetivo de restaurá-lo. “Depois que fizemos a reforma, meu avô registrou o automóvel no nome dos quatro filhos para dificultar a venda e preservar a memória do pai”, diz Juninho.

Pais e filhos

Pais e filhos

O carro é quase um personagem da cidade. A cada jogo da seleção brasileira, o avô dirigia o automóvel pelas ruas de Ribeirão Preto, com o objetivo de dar sorte, uma tradição. O Ford De Luxe atuou como um relações-públicas e ajudou a oficina da família a se tornar um ponto de referência. “Os clientes sempre perguntam pelo carro”, diz ele.

Continua após a publicidade

E se o carro for vendido e não der para voltar atrás na decisão? Foi o que quase aconteceu com Sérgio Fernandes Meirelles, de 57 anos, comerciante de Belo Horizonte (MG). Um Ford 1935, de quatro portas, era do avô, passou para seu pai e veio parar nas mãos de Sérgio. “Em 1976, não tínhamos mais espaço na garagem e resolvemos vender o carro para um colecionador, pois estava se estragando.”

O Ford passou dez anos esquecido pelo novo dono em um galpão, mas não pelos antigos proprietários. “Eu e meu irmão resolvemos trazer o automóvel de volta à família. Depois de muita insistência, trocamos um Plymouth 1937 pelo automóvel que pertenceu a nosso avô e pai. Não podia deixar um símbolo tão importante da minha família trancado em um galpão.”

Pais e filhos

Pais e filhos

Para recuperar o tempo perdido, o Ford hoje recebe muito carinho, ou melhor, manutenção e limpeza, e ostenta uma placa preta para muitas visitas a encontros de carros antigos. “Não vendo ele por nada.”

Continua após a publicidade

Dupla estradeira

Quase contemporâneo do Ford dos Meirelles é o LaSalle 1945 do advogado José Cândido Muricy Neto, de 75 anos. No entanto, o LaSalle não quer saber de descanso. Os dois – carro e proprietário – saem para viagens de longos períodos e muita quilometragem. “Já percorri 10.700 km pela América do Sul, de Mendoza a Santiago, passando por Bariloche e Punta del Este”, afirma.

A receita para tamanha disposição e longevidade mecânica, segundo o dono, é manter um diário de bordo com um histórico mecânico. “Meu pai comprou o carro após o término da Segunda Guerra. Desde criança eu ajudava a consertá-lo”, afirma Muricy.

Pais e filhos

O gene automotivo também se mostrou dominante na família Cury. Os irmãos Ricardo, Fernando e Ana Paula herdaram do pai não apenas a paixão por carros antigos, mas também um exemplar cada um. O empresário Ricardo, de 46 anos, ficou com um Ford 1939 que foi guiado pelo avô e, depois, pelo pai, o comerciante Nicolau.

Também empresário, Fernando, de 45, não sossegou até conseguir uma placa preta para sua Rural Willys 1972, que era de seu pai. A designer Ana Paula, de 41, caçula, ficou com uma Variant II, que era especialmente cuidada para ela. “Ele não gostava de vender carro. Comprava um novo, mas não vendia o antigo”, afirma Ricardo.

Pais e filhos

Como era o filho mais velho, Ricardo ficou com o automóvel que era do avô. O filho do meio, Fernando, gostava de roubar a chave da Rural para uma voltinha. Ao conquistar a placa preta, um misto de felicidade e saudosismo o contagiou. “O meu pai gostaria, se estivesse vivo. Era como se estivesse dedicando aquilo para ele.”

O que o pai não imaginaria é que Ana Paula fosse receber tantas abordagens no trânsito. Paquera? “Que nada. Os motoristas só me param para perguntar o ano do carro e elogiar o estado de conservação”, afirma, em tom de piada.

Publicidade


Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

BLACK
FRIDAY
Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

Apenas 5,99/mês*

ou
BLACK
FRIDAY

MELHOR
OFERTA

Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Quatro Rodas impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 10,99/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.