Brasileiro quando vai comprar carro usado tem uma obsessão com o odômetro, como se fosse um deus maia da verdade. Claro que a quilometragem rodada do veículo baliza o preço e o negócio, mas também pode maquiar a realidade. Carros usados com alta quilometragem acabam desvalorizados, só que não necessariamente são modelos ruins e que não valem a compra. Ao mesmo tempo que automóveis menos viajados e seminovos podem ser verdadeiros equívocos para o futuro dono.
QUATRO RODAS falou com donos de agências de veículos e empresas “repassadoras”, companhias que fazem a revenda daqueles carros usados mais antigos, muitas vezes dados como entrada na compra de um zero-km, mas que as concessionárias não querem no estoque.
Ou seja: profissionais que lidam diariamente com diversos automóveis de variados anos, diferentes quilometragens e em todos os estados de conservação possíveis.
“É lógico que a quilometragem é uma primeira etapa da negociação, da precificação, que chama a atenção do cliente na hora. Só que o primeiro ponto a se avaliar é o desgaste do veículo”, diz Raphael Vidal, da Vidal Repasse.
Um olho no painel, outro no carro
De cara, é preciso observar se a informação do odômetro condiz com o estado geral do carro. E se é coerente com o ano de fabricação do modelo. Lembre-se que o brasileiro, em média, roda de 10.000 a 12.000 km por ano. Então, se você se depara com um veículo ano 2010, por exemplo, que marca no quadro de instrumentos abaixo de 80.000 km, pode estar diante de dois problemas. Um deles é a famigerada adulteração do odômetro.
“Infelizmente ainda temos casos horríveis de adulterações, principalmente nos carros mais velhos. É muito difícil encontrar, por exemplo, carros fabricados em 2009, 2010 com apenas 100.000 km rodados. Então, é preciso avaliar o desgaste do veículo”, completa Vidal.
Outro problema que pode ocorrer nesses casos é o pouco uso do veículo. Isso mesmo: a quilometragem, se for real, revela que o dono pode ter andado muito pouco com o carro. O que pode implicar no chamado uso severo e em uma negligência na manutenção.
Isso porque o uso severo não está ligado à quilometragem, mas às condições nas quais aquele veículo rodou. Quantas vezes você não ouviu de alguém que tal carro usado foi um grande negócio porque o proprietário só o usava para ir à padaria, ou ir e voltar do trabalho?
Isso é um dos aspectos que configuram uso severo. Afinal, o veículo só rodou em trajetos curtos, o que sobrecarrega o motor, que nunca opera na temperatura ideal. Ou transitou sempre em marchas baixas, em engarrafamentos.
“Tem a história, ‘rodava só para levar a criança à escola’. Ou seja: o motor foi sobrecarregado, nunca atingiu a temperatura certa ou o dono demorou para trocar o óleo. Então, um 2015 com 20.000 km, que seria uma raridade, pode ser uma bomba, com muita probabilidade de dar problema”, alerta Fred Pires, da FR3 Veículos.
Passado que pode condenar
Ficar atento ao histórico de manutenção é outra dica dos especialistas. Inclusive para esses casos de baixa rodagem em veículos mais antigos. Em geral, as garantias de fábrica são de até 60.000 km ou três anos, o que acontecer primeiro. Normalmente, a cobertura acaba por tempo e os clientes costumam fugir das revisões na concessionária devido aos altos custos.
“Histórico de revisão é importante, porque muitas vezes carro com baixa quilometragem perdeu a garantia por não ter feito a revisão dentro do prazo”, afirma Fred. E, claro, como todo usado, é preciso ter em mente que o veículo não só está sujeito a problemas como pede uma revisão.
Em agências de automóveis há a vantagem da garantia de três meses e, segundo os especialistas, as lojas costumam fazer a troca de itens como óleo, filtros, pastilhas de freio e correia dentada e esticador, além de uma revisão básica.
O mesmo vale para quem for negociar carro usado com particular. Só fazer as contas: normalmente, lubrificantes e filtro do óleo pedem troca a cada um ano ou até 10.000 km; pastilhas, filtros de ar (elemento e cabine) e combustível entre 20.000 e 30.000 km; mais ou menos os mesmos intervalos das velas de ignição.
As correias dentadas merecem atenção. Se o veículo está com 50.000 km, vale a troca. O mesmo vale para componentes da suspensão. Se o jogo for original, talvez você tenha de trocar amortecedores e buchas.
“Por mais que o vendedor, particular ou não, revise um carro, é preciso ter consciência que se está comprando um carro de 50.000 km, e não um zero. Daqui a 2.000 km, ele pode dar um problema”, observa Luiz Henrique Tubarão, do Grupo Euroamericas/Megafor.
Os sinais de um carro usado adulterado
Qualquer carro usado também demanda aquela verificação fundamental na documentação. Pesquisar se há multas ou impostos pendentes, se o veículo já foi vítima de algum sinistro ou é oriundo de leilão (o que pode complicar na hora de contratar seguro), se já teve kit GNV, entre outras informações.
Outro ponto é que o usado “fala”. Um modelo com 60.000 km ou mais provavelmente vai ter sinais de desgaste no volante, pedais, bancos e soleiras condizentes com o tempo de uso. Olho nos pneus, que podem dizer muito sobre o cuidado que o dono tinha.
“Quando o carro vem com pneu remoldado, eu pedia para dar uma atenção ainda maior, porque o cliente que economiza para botar um pneu em um veículo de R$ 100.000, provavelmente economiza na manutenção do carro”, alerta Luiz.
Inclusive as peças que foram trocadas geralmente são boas referências, pois mostram o nível de zelo do antigo dono. “Pela marca dos componentes que foram substituídos, seja em pastilha de freio, bateria, até palheta do limpador de para-brisa, você já observa o cuidado que o proprietário teve com aquele carro”, diz Fred, da FR3.
Uma alternativa é contratar os serviços de vistoria cautelar. Empresas fazem uma varredura no histórico do veículo e também inspecionam diversos componentes. Os serviços custam de R$ 300 a R$ 1.000, conforme o que for solicitado.
“Parte da vistoria cautelar é um fator primordial hoje no mercado que a gente vive, até por essa questão infelizmente de adulteração de quilometragem de carros. Isso já deixa o cliente mais resguardado com relação à integridade do carro, à parte estrutural e à questão documental”, sugere Glauco Vargas, sócio-diretor da G4 Veículos e Repasses Automotivos.