Um Lamborghini Countach em meio a algumas dezenas de Fiat 147 em uma fábrica não é a coisa mais comum de ser vista, mas é o resultado de uma das ações fundamentais para a Lamborghini ser o que é hoje.
O Fiat 147 era baseado no 127 italiano, um grande sucesso na Europa naquela época, mas devidamente reforçado, adequado às condições das estradas brasileiras e com tratamento anti-ferrugem melhor. Até poderia ter suas limitações de tamanho e desempenho, mas aguentava as condições brasileiras.
A Fiat, inclusive, vendeu essas qualidades em um dos comerciais de lançamento do 147, em 1976. O pequeno Fiat subia e descia a grande escadaria da Igreja da Penha, no Rio de Janeiro, sem apresentar defeitos.
Essa robustez do Fiat brasileiro foi fundamental para a fabricante ainda estreante no Brasil encarar modelos consagrados, como VW Fusca, Ford Corcel e Chevrolet Chevette, não poderia ser diferente. Isso foi reconhecido até mesmo na Itália.
Se a tração dianteira, a suspensão dianteira McPherson e o robusto conjunto de molas semielípticas transversais na traseira já eram destaques do Fiat 127, esse conjunto reforçado para o 147 e a maior altura da suspensão muito interessava aos italianos.
Na verdade, quem enxergou o potencial primeiro foi Giulio Alfieri, engenheiro, investidor e consultor da Lamborghini em uma das piores fases da história da fabricante. Foi ele quem enxergou no Fiat 147 brasileiro características de crossover décadas antes dos SUVs se tornarem um sucesso.,
Antes de falar sobre isso, porém, precisamos entender a situação da Lamborghini.
Colocando os pés pelas mãos
Isso porque embora a Lamborghini tenha crescido rapidamente como fabricante de automóveis nos seus primeiros 10 anos de existência, as empresas de Ferruccio Lamborghini entraram mal na década de 1970.
A produção de tratores foi impactada por problemas com importadores da África do Sul e da Bolívia. Estes, inclusive, cancelaram uma encomenda de 5.000 tratores por causa de um golpe militar quando as máquinas já começavam a chegar no porto de Gênova.
Para aumentar a pressão na empresa, seus funcionários eram sindicalizados e não podiam ser demitidos. Com isso, em 1972 a operação de tratores foi vendida para a concorrente SAME. Ela existe até hoje.
Em seguida, Ferruccio Lamborghini começou a buscar interessados na operação de automóveis. Georges-Henri Rossetti, um rico empresário suíço e amigo de Ferruccio comprou 51% da empresa por US$ 600.000 à época. Ferruccio abriu mão do controle da montadora que havia fundado, mas continuaria trabalhando nela, enquanto Rossetti raramente se envolveu nos assuntos da fabricante.
O maior golpe foi com a crise do petróleo, a partir de 1973, que forçou os clientes a escolher carros mais práticos e menores em vez de buscar a alta performance. Isso pegou em cheio a fase final de desenvolvimento do Lamborghini Countach.
Em 1974, desencantado com o negócio de automóveis que havia fundado 11 anos antes, Ferruccio Lamborghini vendeu os outros 49% da empresa a René Leimer, um amigo de Georges-Henri Rossetti, e foi explorar outras áreas, como a de refrigeração e aquecimento com a Lamborghini Calor.
Tentando sobreviver
O Lamborghini Countach teve seu primeiro protótipo mostrado no Salão de Genebra de 1971 e retornou em 1973 ainda como protótipo. Apenas na edição de 1974 apareceu em uma versão pré-série que marcou o início das encomendas do esportivo. Foram 50 pedidos no evento e apenas 157 unidades seriam fabricadas até 1978.
Eram poucos carros, porque a Lamborghini procurava meios para sobreviver e continuar o desenvolvimento dos seus carros.
Primeiro fechou um acordo de colaboração com a BMW para o desenvolvimento e fabricação de 800 unidades do BMW M1. Já em 1977 se aventurou para desenvolver um novo veículo militar para os Estados Unidos (uma disputa que resultaria no Humvee). Nenhum dos dois projetos foi adiante.
O veículo militar, batizado de Cheetah, perdeu a disputa nos EUA mas daria origem ao Lamborghini LM002 anos depois. O projeto do BMW M1, por sua vez, fora cancelado porque a Lamborghini não conseguia cumprir as necessidades e padrões de qualidade exigidos pela fabricante alemã.
A Lamborghini entrou em 1978 sem conseguir pagar suas dívidas e entrou em um processo de recuperação judicial. É aí que entra Giulio Alfieri, que consegue convencer o juiz responsável pelo processo a reativar a cadeia produtiva da Lamborghini e suas 87 concessionárias para montar e vender um Fiat 147 brasileiro especialmente adequado às necessidades da época.
O resultado seria vendido como Fiat 127 Rustica. A carroceria era do 147 brasileiro, com sua suspensão reforçada e ainda manteria o motor 1.050 cm³ de 50 cv (mais potente que o 900 cm³ de 47 cv que era padrão no 127). O câmbio era o mesmo do sedã 128, mas com relações encurtadas para conseguir entregar mais força. O painel seguia o padrão brasileiro.
O visual do 127 Rustica era muito característico. Todos eram pintados em um tom de bege com pouco brilho, tinha para-choques pretos, protetor sob o motor, um rack no teto e curiosas grades nos faróis e lanternas, além de para-barros, rodas de aço pretas e pneus de inverno. Os bancos de material sintético imitando couro era outra exclusividade.
Desta forma, o Fiat 127 Rustica surgia como um carro compacto, resistente e de fácil manutenção. No lançamento, em 1979, custava cerca de 4.700.000 liras, 400.000 liras a menos que o Fiat 128 CL, a versão mais cara da época. Era um projeto muito mais lucrativo do que todos os outros tentados anteriormente pela Lamborghini.
A Lamborghini obteve um contrato com a Fiat para produzir 5.000 unidades desta versão especial. Não se sabe todas elas chegaram a ser produzidas, mas todas fabricadas até 1981 saíram da fábrica da Lamborghini em Sant’Agata Bolognese. Eis a justificativa para as curiosas fotos dos Lamborghini Countach de segunda fase em meio a vários carros que facilmente confundidos com o Fiat 147 brasileiro.
O fato é que o 127 Rustica não foi um fracasso. Tanto que a própria Fiat acabou substituindo ele pelo Panda 4×4, lançado em 1983. Além disso ajudou a sanear as finanças da Lamborghini que, porém, precisou ser liquidada por falência para ser totalmente recomposta.
Depois foi vendida aos irmão Mimram (que lançaram o Jalpa e o LM002) e, em seguida, à Chrysler, que foi responsável pelo lançamento do Lamborghini Diablo e até por uma temporada na Fórmula 1. Em 1994 foi repassada a um grupo de investimento Malaio e desde 1998 a Lamborghini pertence ao Grupo Volkswagen.