Foi emblemático: dois dias depois de eu ter conhecido e dirigido o BMW iX5 Hydrogen, a BMW fabricou seu último motor a combustão na Alemanha, um V8 4.4 biturbo montado em Munique. Não é o fim deles, porém os V8 e V12 estão sendo produzidos nos Estados Unidos e os quatro e seis-cilindros são fabricados pela Steyr, na Áustria. É a planta de Munique que está se voltando à produção de carros elétricos.
A BMW é pragmática. Espera que carros elétricos respondam por 50% das suas vendas globais em 2030 e, por isso, continua desenvolvendo motores a combustão, sistemas híbridos e híbridos plug-in, e também aposta nas células de combustível a hidrogênio (FCEV), por meio de uma parceria com a Toyota que já dura dez anos. A intenção é, antes de mais nada, acelerar a descarbonização.
Um carro com célula de hidrogênio é um veículo elétrico que pode recarregar rápido. O iX5 Hydrogen tem dois tanques de fibra de carbono, onde até 6 kg de hidrogênio são armazenados a uma pressão de 700 bar. Isso é suficiente para percorrer 504 km e o tempo de reabastecimento fica ao redor dos 3 minutos – tanto quanto um abastecimento de gasolina.
Para ter a mesma autonomia, um elétrico do mesmo porte teria uma bateria com mais de 100 kWh, com cerca de 500 kg, e precisaria de pelo menos 1h para a recarga completa. Isso é um verdadeiro drama para caminhões e ônibus. Por isso o hidrogênio é visto como uma solução ideal para veículos pesados de transporte, que dão prejuízo quando estão parados.
No caso dos automóveis, o hidrogênio beneficia quem não tem acesso fácil a carregadores, viaja com frequência, vive em climas frios (onde baterias perdem eficiência) ou usam reboque regularmente, aponta a BMW. O sistema de abastecimento e armazenamento não muda de acordo com o tamanho do veículo, a forma de gerar eletricidade também é a mesma.
Sim, eletricidade. A Toyota até trabalha em motores a combustão movidos a hidrogênio. Mas o gerente do programa de hidrogênio da BMW, o dr. Jürgen Guldner, diz que esse sistema foi descartado pela alemã devido à queima de óleo lubrificante, o que implica em emissões.
O jeito é usar outro tipo de reação. Dentro da célula, o hidrogênio gasoso reage com o oxigênio filtrado do ar comprimido pelo carro. Cada elemento fica em contato com um eletrodo (uma membrana metálica) e o eletrólito entre eles recebe os elétrons que migram de um eletrodo ao outro, criando a corrente elétrica. Essa pilha de hidrogênio é formada por centenas de placas, montadas em um processo que exige uma compressão de 5 toneladas. O resultado é uma potência contínua de 170 cv.
Como alimentar, então, o motor elétrico traseiro que gera até 401 cv? Entra em ação a bateria de 2,5 kWh, que funciona como um tampão e garante a entrega da potência máxima. Ela também acumula energia excedente da célula de hidrogênio e a energia recuperada nas desacelerações. Sozinha, permite que o carro percorra até 15 km.
Chega a ser um tanto frustrante dirigir o iX5 Hydrogen. É uma oportunidade e tanto estar ao volante de um dos pouco mais de 90 protótipos feitos, ainda mais sabendo que o iX5 elétrico não existe para a venda. Mas o comportamento é rigorosamente o mesmo de um SUV elétrico. A dinâmica, porém, é de híbrido porque não tem o lastro da bateria para reduzir o centro de gravidade.
E no quadro de instrumentos acompanha-se o nível do tanque, a entrega de força e a eficiência da célula, em quilos de hidrogênio por 100 km.
Claro que para o BMW iX5 Hydrogen ser limpo, o hidrogênio precisa ser produzido com energia renovável, como a proveniente de energia solar, eólica ou hidrelétrica. E é mais eficiente recarregar um elétrico com essa energia do que gerar hidrogênio.
A proposta da BMW é usar o excedente de energia, pois usinas eólicas e solares nem sempre têm seu máximo potencial em um momento de alta demanda, para fazer hidrogênio limpo e evitar desperdício.
E vai além. De acordo com um levantamento da alemã FZ Jülich, o custo da infraestrutura de recarga de carros elétricos aumenta de forma não linear. É mais barata hoje, mas se tornará mais cara conforme a frota de carros elétricos aumentar. Quando chegar aos 10 milhões de carros elétricos, a infraestrutura para carros a hidrogênio passa a ser mais barata.
Mas essa expansão depende de investimento em estações de abastecimento. Há cerca de 1.100 no mundo atualmente, sendo 650 somando Ásia e Oceania; 276, Europa e Oriente Médio; e 116, América do Norte. O Brasil tem uma na Unicamp com baixa pressão (abaixo de 350 bar).
A Europa planeja ter uma estação de abastecimento a cada 200 km em 2030, confiante nessa solução para veículos pesados. Mas a demanda compartilhada com veículos leves reduzirá custos. A BMW estima que, na segunda metade desta década, terá pelo menos um carro a hidrogênio e custando tanto quanto um modelo elétrico. O desenvolvimento já começou, pois esses BMW iX5 estão ajudando a validar a tecnologia.
Veredicto Quatro Rodas
A tecnologia FCEV oferece a potência de carro elétrico, com preço de híbrido e tempo de abastecimento de gasolina. Mas só é limpo onde há energia limpa. O Brasil não tem infraestrutura para aproveitar esse potencial.
Ficha Técnica
Motor: traseiro, elétrico, 401 cv; célula de combustível de 125 kW; bateria de lítio, 2,5 kWh
Câmbio: automático 1 marcha, tração traseira
Direção: elétrica
Suspensão: McPherson (diant.), multilink (tras.)
Freios: disco ventilado (diant.), disco sólido (tras.)
Pneus: 275/35 R22
Dimensões: comprimento, 492,2 cm; largura, 200,4 cm; altura, 174,5 cm; entre-eixos, 297 cm; peso, n/d*; porta-malas, 650 litros; tanque de combustível, 6 kg; altura livre do solo,
21,4 cm
Desempenho**: 0 a 100 km/h, 6 s; velocidade máxima de 180 km/h; consumo,
1,1 kg/100 km
* A BMW não divulga o dado preciso, mas diz que pesa tanto quanto um híbrido plug-in de mesmo porte. Ou seja: cerca de 2.500 kg.
**Dados de fábrica