Acabei de ler Il codice De Silva – Behind the scenes of Car Design, obra autobiográfica do designer italiano Walter De Silva, que foi diretor da Alfa Romeo e chefe de todo o Grupo VW (cargo que ocupou depois de temporadas nas marcas Seat e Audi) e hoje tem sua própria empresa, a Walter De Silva & Partners.
A obra custou 66 euros (caro, melhor nem converter em reais, principalmente se for acrescentado o frete, porque não está à venda no Brasil). Mas eu mais que recomendo a quem ama carros, design e boas histórias sobre os bastidores da indústria, envolvendo nomes icônicos de personagens e marcas.
Não é um livro de arte com fotos de estúdio coloridas. São 256 páginas, com texto em italiano e inglês, cheias de desenhos acabados e esboços de protótipos que mais tarde se tornaram carros que estão nas ruas hoje e outros que não passaram da fase experimental ou simplesmente não saíram do papel.
De Silva conta passagens desde os tempos de estagiário no Centro Stile da Fiat, em Turim, na Itália, deslumbrado com as instalações e a habilidade dos modeladores em materializar ideias em maquetes de gesso [precursor da argila (clay)], até a criação de sua consultoria.
Este livro, para mim, tem um sabor especial porque tive o prazer de conhecer o autor pessoalmente e passar algumas horas conversando sobre carros, nos tempos em que ele estava na Alfa Romeo.
Era para ser uma visita à fábrica (que, na época, ficava em Arese, comuna de Milão, onde hoje está localizado o Museu Histórico Alfa Romeo). Virou a possibilidade de uma visita ao Centro Stile e, talvez, uma entrevista com o chefe de design. Acabou sendo uma conversa descontraída entre três amigos recém-conhecidos: Walter De Silva, o assessor de imprensa da Fiat na Itália, Fabrizio Hardouin, outro apaixonado por carros, e eu.
Lembro-me de várias passagens desse dia por conta dos assuntos e da forma sempre muito emocional como eram tratados, com ênfase e muitas risadas. Em dado momento, De Silva, para justificar que seus elogios à Alfa Romeo não se deviam ao fato de ele trabalhar na empresa, falou algo como: “Esta semana dirigi um Jaguar e foi ótimo. É una bella macchina, anda bem, tem qualidade, estilo. Mas e una Daewoo? (marca que chegou a vender no Brasil, nos anos 1990, mas encerrou suas atividades globais em 2000). Você compra una Daewoo e uma semana depois… se suicida! Porque não prova uma emoção”.
Ao final do encontro, De Silva me levou até uma garagem, dentro do Centro Stile, onde ele guardava uma Alfa Giulietta Spider 1962 branca, seu carro de estimação, que é citado no livro.
O conversível entra na história quando o designer conta que seu projeto para o futuro sedã da marca, que seria o 156, corria o risco de perder a concorrência para outro proposto pela Italdesign, do “maestro Giugiaro”. De Silva disse que passou horas observando a Giulietta na garagem, buscando inspiração para fazer os ajustes necessários, que tornariam o projeto perfeito; “um verdadeiro Alfa Romeo”. Deu certo. Seu projeto foi o escolhido.
Ao longo do livro, há várias passagens, uma mais saborosa que a outra, como os convites que recebeu para substituir o lendário Bruno Sacco, na Mercedes, e para ser o chefe da GM nos Estados Unidos; o relacionamento difícil com o CEO da Fiat, Paolo Cantarella; e a admiração mútua que manteve com o todo-poderoso do Grupo VW, Ferdinand Piëch. De Silva conta também as histórias de projetos como Audi A5, Lamborghini Urus e VW Up!, entre outros, e os planos abortados pela crise advinda do escândalo que ficou conhecido como Diesel Gate, em 2015, entre eles o de um novo Bugatti 35 Stradale e o de um Golf 8 Vision (substituído por um “triste redesign do Golf 7”).
O designer termina o livro com reflexões sobre desenho industrial e o futuro da mobilidade.
Paulo Campo Grande
Jornalista fala sobre diferentes assuntos, reflexões e memórias que considera interessantes de compartilhar com os leitores.