Ter dormido pouco e acordado antes do amanhecer naquele dia não fazia parte da experiência, mas me deixou mais próximo da rotina de um competidor do Rali dos Sertões. Poderia pilotar as L200 Triton Sport R, que neste ano terá sua própria categoria na competição, e ainda ocuparia o assento do português Paulo Fiuza, navegador do piloto cinco vezes campeão do Sertões Guilherme “Guiga” Spinelli nas últimas horas de preparação da sua picape com motor V8 do Mustang.
Neste ano, a dupla defenderá o retorno da Mitsubishi ao Sertões com equipe própria, em parceria com a Spinelli Racing. O carro mais poderoso é a L200 Triton Sport Racing, que tem a cara da picape feita em Catalão (GO), mas na verdade é uma bolha de fibra de carbono e kevlar com caçamba vazada e montada num chassi de rali cross-country da sul-africana WCT Engineering e homologado para a categoria T1 FIA.
Esse chassi tem suspensões independentes com dois amortecedores Reiger por roda para controlar os 28 cm de curso, freios traseiros com circuito de arrefecimento por água e, para permitir a troca de pneus em menos de 2 minutos, um par de estepes sob o assoalho e macacos hidráulicos que sobem o carro em segundos.
O espaço na cabine não é abundante. Fechado a vácuo dentro de um macacão e com protetor cervical e capacete, entrar no carro exigiu uma flexibilidade que eu não pensava ter. O cinto de cinco pontos me amarra como parte do chassi enquanto minha minha cabeça encaixa entre duas travessas da gaiola.
Ali, eu até conseguiria ver o percurso os hodômetros e mostradores redundantes e a planilha, caso fosse navegar, mas mal pude ver o Guiga assumindo a direção e acordando o V8 5.0 Coyote aspirado padronizado pelas regras da categoria.
Como está, esse motor rende 410 cv e 60 kgfm. O câmbio é sequencial de seis marchas da Sadev e a injeção é programável, providencial quando o combustível é AvGas: ele reduz a vida útil do motor, mas o risco de ser comprado adulterado nos rincões do Brasil é baixo, por ser mais controlado. Tudo em nome da confiabilidade: a Spinelli já teve problemas com o carro por causa da “gasolina de alta octanagem” que encontrou por aí.
O ronco forte impacta, mas as primeiras curvas assustam. A suspensão parruda, a tração 4×4 e os freios com distribuição ajustáveis ajudam a driblar a lei da inércia com facilidade e, com o tempo, a obediência do carro ajuda a pegar confiança e curtir o passeio na terra em altíssima velocidade, com longos vôos e curvas de lado.
É muito rápido. Mas acho que com mais algumas voltas e um bom antiemético eu até conseguiria ler cantar a planilha para o Guiga. Dizem que é mais fácil o navegador virar piloto do que o piloto virar navegador. Quem sabe na próxima?
Triton Sport R – A L200 de rali que você pode comprar
O fato é que depois dessa experiência, pilotar a L200 Triton Sport R, que mantém parte da carroceria e parte da mecânica original da L200 Triton, parecia deixar o mundo em câmera lenta. E olha que ela é bem mais potente.
O motor 2.4 turbodiesel é mantido, mas passa dos 190 cv para 225 cv com nova programação da injeção, enquanto o torque sobe dos 44 kgfm originais para 51 kgfm. Também aumentam o volume de água passando pelo sistema de arrefecimento. E o câmbio é manual de seis marchas sem anéis sincronizadores: é preciso levar a embreagem até o fim e mover a alavanca com precisão para não comprometer as engrenagens.
Essas L200 são transformadas em carros de rali da categoria T2 ainda na linha de produção em Catalão (GO). E não é tão difícil porque, por regulamento, precisam manter muito do carro de produção corrente.
Na suspensão, mantém semieixos, diferenciais, bandejas. Recebe rodas e pneus de competição, dois amortecedores por roda descasados, sendo os 4 extras da Öhlins. As molas dianteiras são as da L200 Savana, enquanto na traseira o eixo rígido é mantido e é reforçado com novas lâminas de molas semielípticas.
Mas se o chassi é praticamente o mesmo, partes da carroceria como, para-choque dianteiro, para-lamas e capo são de fibra de vidro para ser mais leve e facilitar o conserto em caso de batidas. Da caçamba, só sobra as laterais, ainda de lata: o fundo e a tampa são retirados.
Mas portas e cabine são de aço e têm gaiola dentro, além de extintores e todos os equipamentos de segurança. O painel e quadro de instrumentos também permanecem, mas a picape dispensa a maior parte dos sistemas do carro. Tem ar-condicionado e mantém o seletor da tração 4×4 original, mas isolantes acústicos e térmicos foram dispensados e volante multifuncional e os bancos originais são trocados por peças de competição.
Hora de ir pra terra. O câmbio manual e o motor ajudam na sensação, mas e Triton Sport R parece mais leve ao volante. As respostas ao acelerador são mais rápidas, mas é necessário acelerar mais nas arrancadas por causa do mapa do motor. Descobri isso deixando o carro morrer justamente na largada da minha parte cronometrada.
Ou eu corria contra o tempo, ou conhecia o carro. Preferi dar atenção às direções dadas pelo navegador Fabio Pedroso, ao meu lado, e tentar entender as diferenças entre essa L200 de rali e a convencional. E são notáveis.
Nem falo das restrições do espaço da cabine, que nem tem bancos traseiros, mas das reações do carro. Os amortecedores são calibrados para lidar melhor com impactos de baixa frequência, como lombadas, ondulações e até mesmo saltos. Não há golpes secos: a suspensão movimenta-se com curso maior e garante a estabilidade no limite e nós, amarrados nos bancos concha, sofremos menos.
Em compensação, a suspensão transmite mais impactos de alta frequência, como costeletas e degraus. É um reforço para a característica saltitante que muitas picapes de trabalho têm. Mas faz parte. O legal é notar que a carroceria fica mais responsiva: nem tanto quanto o protótipo usado pelo Guiga, mas aceita melhor os comandos para escapar de traseira e especialmente para voltar ao controle com o contraesterço.
O mais legal é que essa Mitsubishi L200 Triton R pode ser comprada em qualquer concessionária, desde que o cliente esteja disposto a esperar até um mês e meio pelo carro. Custa R$ 380.000, mas tem R$ 42.000 em “consumação” em peças. Se o contraesterço não funcionar e o carro cair numa valeta, vai dar para comprar novas peças para a carroceria e voltar inteiro para a próxima etapa do rali.
Ficha técnica – Mitsubishi L200 Triton Sport Racing
- Motor: gasolina ou avgas, diant., longit., 8 cil. em V, inj. Motec M142, 4.997 cm³, 410 cv a 5.400 rom, 62,4 kgfm a 4.200 rpm
- Câmbio: sequencial Sadev, 6 marchas, tração integral
- Suspensão: Duplo A com amort. duplos (diant. e tras.)
- Freios: disco ventilado nas quatro rodas, refrigerado a água na traseira
- Pneus: 245/80 R16
- Dimensões: comprimento, 457 cm; largura, 200 cm; altura, 178 cm; entre-eixos, 291 cm; peso, 1.850 kg; tanque, 480 l
- Desempenho*: Velocidade máxima de 190 km/h
- Equipamentos: Ar-condicionado, 3 estepes, placas de desencalhe, caixa de ferramentas
Ficha técnica – Mitsubishi L200 Triton Sport R
- Motor: diesel, diant., longitudinal, 4 cil., 2.442 cm3; 16V, 225 cv a 3.750 rpm, 51,2 kgfm a 2.350 rpm
- Câmbio: manual, 6 marchas, tração 4×4
- Suspensão: duplo A (diant.)/eixo rígido (tras.)
- Freios: discos ventilados (diant.)/tambor (tras.)
- Direção: hidráulica, 12,8 m (diâmetro de giro)
- Rodas e pneus: liga leve, 235/65 R16
- Dimensões: comp., 528 cm; altura, 183,5 cm; largura, 181,5 cm; entre-eixos, 300 cm; peso, 1.855kg; tanque, 75 l + adicional de 220 litros
- Equipamentos de série: ar-condicionado, extintor automático, chave geral, mesa de navegação, cinto de seis pontos, painel digital protune, mesa de navegação, bancos concha