Depois que o Ayrton Senna nos deixou, em 1º de maio de 1994, a Senna Import, que em fins de março havia lançado a marca Audi no Brasil, ficou quase três meses sem um trabalho efetivo de divulgação. Como a marca ainda era pouco conhecida por aqui, a maioria das pessoas do mercado já achava que, sem o tricampeão, a Audi não teria a menor chance de decolar no Brasil, sobretudo concorrendo diretamente com as tradicionais Mercedes e BMW.
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Não lembro exatamente o dia, mas foi em agosto, Leonardo Senna, irmão do piloto e diretor de marketing da Senna Import, marcou uma reunião comigo na primeira sede da empresa, que ficava na Lapa (bairro de São Paulo).
Ele começou dizendo: “Charles, eu fiquei esse tempo todo parado porque não tinha cabeça para fazer esse trabalho logo depois do acidente do meu irmão. Sua despedida inesperada mexeu demais comigo e com toda a minha família. Mas, agora, vou tocar a Senna Import para a frente, com o nosso sócio Bira (o empresário Ubirajara Guimarães), e vamos fazer a marca Audi crescer no Brasil”.
E seguiu: “Como em novembro teremos o primeiro Salão do Automóvel da marca no país, eu quero fazer um trabalho de primeira linha de divulgação e de marketing. Tanto que já aluguei praticamente todos os outdoors nos melhores locais de São Paulo, um mês antes e 15 dias depois do Salão”, completou.
Adorei a ideia dos outdoors. Assim, não haveria espaço nem para o organizador do evento. Somente a Audi seria vista naquele período em que as novidades do Salão do Automóvel agitavam a cidade, que receberia uma legião de apaixonados por carros de todo o país.
Seguindo a reunião, Leonardo me passou cada uma das atrações que teríamos no estande: o novo A4, que trazia o motor 2 litros de quatro cilindros e 20 válvulas; o luxuoso A8, o primeiro modelo produzido em série no mundo com carroceria totalmente de alumínio; e a perua RS2, com motor desenvolvido em parceria com a Porsche, que logo batizamos de perua mais veloz do mundo porque, segundo a fábrica, acelerava de 0 a 100 km/h em 5,4 segundos. (QUATRO RODAS fez de 0 a 100 km/h em 5,8 segundos e atingiu 261,7 km/h de velocidade, na edição de junho de 1996.)
Por fim, o diretor comentou que ainda teríamos um carro-conceito: o Avus quattro, um esportivo com design futurista, cuja foto estava num quadro atrás de sua própria mesa. Assim que ouvi essa informação, não tive a menor dúvida.
“Quando vi o carro de perto, percebi que se tratava de uma maquete. Por dentro, era todo de madeira. Ou seja: as portas não abriam”
“Leo, estou com uma ideia do que podemos fazer com este carro alguns dias antes do Salão. Vamos expô-lo na Praça da Sé ou no Anhangabaú”, eu disse. A resposta foi imediata: “P…, Charles, você não entendeu nada mesmo, não é? A Audi concorre com Mercedes e BMW. Você quer colocar o carro no Anhangabaú ou na Praça da Sé?” E antes que eu dissesse qualquer coisa prosseguiu: “Nosso público não está nesses locais. Vamos expor, então, no Shopping Iguatemi”.
Argumentei que o público do Iguatemi teria vergonha de ficar em volta do carro, ao passo que, nas ruas de São Paulo, aquele carro futurista chamaria tanto a atenção das pessoas quanto um disco voador que tivesse acabado de pousar ali. Assim, nós provocaríamos um acontecimento na cidade e teríamos uma ampla cobertura da imprensa. E aí, sim, com as matérias veiculadas nos jornais e nas TVs chegaríamos ao nosso público-alvo.
Não demorou mais do que um minuto após minha explicação para que o Leonardo Senna pegasse o telefone e ligase para o filho do prefeito de São Paulo (que naquela época era o Paulo Maluf, um reconhecido amante dos carros esportivos) para saber como conseguir o espaço para a nossa ação.
Deu certo. Quatro dias antes do Salão, colocamos o Avus no Vale do Anhangabaú, na esquina com a Avenida São João, antecipando o estande da Audi no evento. Quando os jornalistas convidados chegaram, o carro já estava rodeado de pessoas que passavam e paravam diante dele.
E, com a chegada da TV, fazendo entrevistas com o público, o lugar foi ficando cada vez mais cheio de curiosos. Chegamos a ter quase 300 pessoas em volta do Avus, naquele dia. Mas o melhor resultado da ação veio à noite, quando as matérias falando do carro no centro da cidade apareceram nos jornais das emissoras de TV, e no dia seguinte foram destaque nas capas dos dois principais diários de São Paulo: Folha e Estadão.
Já no Salão do Automóvel, o estande da Audi teve movimento intenso e o Avus foi um dos carros que mais atraíram o público. O resultado foi tão positivo que passamos a antecipar uma atração em quase todos os Salões daqui e, em seguida, a própria Audi da Alemanha fez o mesmo, sendo a primeira marca na Europa a mostrar lançamentos antes da abertura de Salões como os de Frankfurt e Paris.
A iniciativa foi um sucesso, mas agora posso dizer que nem tudo saiu como o planejado. Passei por apuros naquele dia da exposição do carro no Anhangabaú porque escrevi, no comunicado à imprensa, que as portas do Avus abriam para cima (tipo asas de gaivota), só que, quando vi o carro de perto, percebi que se tratava de uma maquete, só a carroceria era de alumínio de verdade.
Por dentro, o carro era praticamente todo de madeira, não só a cabine como o próprio motor traseiro. Ou seja, as portas não abriam. Sorte a minha que os jornalistas que compareceram eram de editorias de geral e cidades, sem interesse em mostrar detalhes do conceito.
Mas não foi só isso, lembrei exatamente agora de um fato que, até hoje, o Leonardo Senna não sabe, porque, estando ocupado com outras coisas, ele não conseguiu ir ao evento do Anhangabaú. Aliás, torci muito para que ele não aparecesse por lá. Isso porque, a menos de 30 metros de onde estava o Avus, havia um hotel de alta rotatividade com algumas moças na entrada atraindo os clientes.
Se o Leonardo pensava que o Anhangabaú não era lugar para expor um Audi, imagine o que faria se visse aquele movimento próximo da nossa maior atração do Salão?
Bem, já se passaram 26 anos. O Vale do Anhangabaú é grande. E quem nos colocou naquele ponto foi o filho do prefeito. Mas quer saber? Se precisasse, eu faria tudo de novo, exatamente igual.
Charles Marzanasco
Jornalista, trabalhou nove anos como repórter na QUATRO RODAS, dez anos como assessor do piloto Ayrton Senna
e 25 anos na Audi
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