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Me engana que eu gosto

Por Jeremy Clarkson
26 jun 2014, 15h00

Quando o McLaren MP4-12C foi apresentado, muitos jornalistas, inclusive eu, notaram que, embora ele fosse tecnologicamente magnífico, não trazia muito para fazer um apaixonado por carros palpitar e ofegar. Ele parecia e soava um pouco entediante. Bom, agora ele se foi e no seu lugar temos o 650S. Ele é bem parecido com seu antecessor, mas a McLaren tentou ao máximo baixar sua qualidade. É por isso que ele tem um recurso que faz com que o motor bufe, estale e solte estampidos na aceleração. Lamento, mas não me convenceu. Nos tempos antigos, quando os motores eram alimentados por carburadores e a ecologia do urso-polar ainda não tinha sido inventada, o combustível era meio que esguichado no motor mesmo quando não era necessário. Como resultado, ele saía dos cilindros sem ter sido consumido, explodindo ao entrar em contato com o escapamento quente. O som de estouros que resultava era o som do dinheiro sendo convertido em nada além de barulho. Não há razão para isso ocorrer hoje, não quando os motores são alimentados por injeções controladas por computador. Então, se um motor estiver dando seus estouros, você sabe que o barulho é uma enganação. Não é o som da engenharia. É o som do marketing. E eu não gosto disso. E, Jaguar, não adianta ficar aí com cara de paisagem, porque você é culpada do mesmo cri- me. O novo F-Type faz um monte de barulhos que você sabe que foram incluídos no pacote após o carro ter sido concluído. Eles não são reais.

Mexer com o som produzido por um carro foi algo feito pela primeira vez pela Ferrari, que equipou a F355 com flaps nos escapamentos, em 1994. Em condução normal, quando os inspetores de poluição sonora da União Europeia estavam medindo, eles eram fechados e tudo era sereno. Sob aceleração forte, após o cara da UE ter aprovado o carro, eles abriam e era como soltar os cães do inferno. Quando os engenheiros da Aston Martin descobriram, falaram: “Que picaretagem”. E então colocaram o mesmo sistema nos seus carros. Mas tudo bem. Isso é usar a engenharia para flexibilizar as normas. Mas usar engenheiros para criar sons só para soar bonito? Não. O que me faz lembrar as saí- das de ar falsas nas portas dianteiras do novo Range Rover. Por que você ia querer saídas de ar ali? Para que servem? Detalhes de estilo só funcionam se eles parecerem ser o resultado de uma exigência real. Meu carro tem um difusor de fibra de carbono sob o para-choque traseiro e sempre me perguntei sobre ele. Perguntei até ao Stig outro dia, porque ele conhece essas coisas. “Faz alguma diferença que seja para o carro?”, perguntei. Ele respondeu: “Bem, ele o deixa um pouquinho mais pesado”.

Mas, quando se trata de carros que estão prometendo o que não conseguirão cumprir, o prêmio vai para o novo Captur, da Renault. Porque quase tudo colocado nesse carro é ou completamente desnecessário ou desconcertante. Vamos começar com o indicador de qualidade do ar. No começo, pensei que fosse algo que permitisse ao motorista selecionar como queria que fosse a limpeza do ar na cabine. Fiquei um pouco confuso, pois quem iria dizer algo como “Para esta viagem quero que o ar dentro do meu carro seja ruim, como uma cueca não lavada há um mês”? Mas, depois de colocar meus óculos, descobri que, na verdade, aquilo está lá para informar sobre a qualidade do ar fora do carro. Tá bom, e o que eu vou fazer com essa informação? Mas percebi que ele não funciona porque, durante o tempo que fiquei com o Captur, a mãe natureza estava colhendo metade do Deserto do Saara, misturando com todas as emissões dos caminhões e das usinas termoelétricas da Europa e depositando esse coquetel no sudeste da Inglaterra. Até o governo dizia para as pessoas ficarem em casa. Mas, apesar disso tudo, o Captur dizia que o ar estava bom.A não ser que eu passasse ao lado da cerca viva do meu apartamento. Então ele avisava que a qualidade do ar era ruim. Eu não sei o que tinha naquela cerca viva.

Mas não foi só o medidor do ar que me deixou perplexo. Qual é exatamente a desse carro? Ele tem um três-cilindros turbo de 900 cm3 de 90 cv cujo som faz pensar que deveria estar num barquinho a motor. Rápido ele não é. Aliás, nem chega perto de ser rápido. Os números oficiais dizem que vai de 0 a 100 km/h em 13 segundos. Mas acho que isso só seria possível se você o jogasse de um avião de transporte Hercules (em voo, é claro). Apesar do motor, o Captur parece um tipo de aspirante a Range Rover. Ele é alto e tem todos os detalhes de estilo que indicam um desejo de desbravar trilhas. Ou seja: é um ursinho de pelúcia vestido como um explorador do sertão. Mas ele não é nenhuma dessas coisas. Na verdade, ele é seu instrutor da autoescola, porque à medida que você anda ele observa a qualidade da sua aceleração, a suavidade das suas frenagens e sua capacidade de previsão. Ele ficava me falando o tempo todo que minha aceleração não era muito boa. E eu ficava respondendo que, se ele tivesse um motor maior, eu não teria de pisar tanto no acelerador.

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Você pode perceber o distúrbio de personalidade no seu próprio nome. Porque o nome do carro que testei – e não estou inventando – é Renault Captur Dynamique MediaNav Energy TC e 90 Stop & Start. Desde que deixaram Frank Zappa solto com uma lista de nomes, ninguém havia surgido com algo tão estapafúrdio. Até o preço é estranho. Sem opcionais (e há uma pilha deles), ele custa 14 995 libras (R$ 57 000). É muito para um carro de três cilindros. Mas é barato como um carro de cinco portas para levar as crianças para a escola. Para tentar entender, recorri à Renault, que diz que o carro é o primeiro “superminicrossover, um carro inovador, divertido de guiar e de baixo custo que combina a versatilidade de um MPV com o visual de SUV e refinamento, suspensão e dirigibilidade de um hatchback familiar”. Tá bom, entendi. E quem essa salada mista vai atrair? Bem, serão “casais de todas as idades, famílias com filhos pequenos e solteiros em busca de estilo”. Duvido seriamente. Porque, ao tentar fazer um carro que atraia todos, eles acabaram com uma coisa que não é adequada para ninguém. É apenas um monte de camadas de marketing aplicadas sobre a mecânica de um Nissan Juke.

Se quiser um carro pequeno na Inglaterra, economize pelo menos 4 000 libras (R$ 15 000) no modelo básico e compre um Volkswagen Up!, porque ele é simplesmente uma obra de engenharia descomplicada, bem-concebida e belamente construída.

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