Atire a primeira pedra quem nunca falou ao celular, enviou mensagens de texto ou mesmo procurou uma estação de rádio enquanto dirigia. Essas e outras fontes de distração são responsáveis por cerca de 80% dos acidentes de trânsito, segundo o NHTSA, a autoridade de segurança de trânsito dos Estados Unidos.
As estatísticas no Brasil não chegam a captar com fidelidade esse problema. Mas, segundo informações do Laboratório de Psicofísica e Percepção da Universidade de São Paulo, 98% dos acidentes são provocados por fatores humanos, 72% deles por falhas de atenção. A universidade identifica a distração como a quarta causa mais frequente de acidentes de trânsito no país.
A pedido de QUATRO RODAS, o Núcleo de Perícias Técnicas, especializado há 15 anos em acidentes de trânsito, realizou um teste que avalia o nível de periculosidade das principais situações de distração.
Coordenado pelo engenheiro Márcio Montesani, especialista em reconstituição de acidentes, o teste submeteu 15 pessoas de faixas etárias diferentes a seis circunstâncias de falta de atenção.
Por meio de câmeras instaladas no interior do veículo, foi possível captar quanto tempo o condutor desvia o olhar da pista. “Conforme a velocidade e o tempo da distração, é possível calcular a extensão percorrida pelo motorista sem atenção na via”, diz o perito.
Entre os equipamentos disponíveis hoje, há os que permitem que o condutor tenha acesso a redes sociais ou mesmo faça uma pesquisa online. De acordo com a Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), essas funções no painel também atuam como drenos de atenção do motorista.
“Essas tecnologias devem ser acessadas apenas com o carro parado e o próprio sistema deve inibir o acesso caso o veículo esteja em movimento”, diz Dirceu Rodrigues Alves, diretor da Abramet.
Ele acrescenta que as distrações mais comuns, como enviar mensagens de texto e falar ao celular com ou sem o sistema Bluetooth, são ainda mais perigosas.
“O condutor fica desconectado da função da direção e, mesmo após voltar o olhar para a via, ele não volta com toda a atenção devida, pois ainda está na expectativa da resposta da mensagem ou mesmo da repercussão de sua ligação”, afirma.
O tempo de reação de um motorista completamente concentrado é em média de 0,75 segundo. Caso esteja em uma ligação, o intervalo aumenta para 1,7 segundo.
O celular é o vilão
O Instituto de Transportes e Tecnologia da Virgínia (VTTI), ligado ao NHTSA, afirma que as distrações envolvendo o uso de celular estão entre as mais perigosas para o condutor.
De acordo com sua pesquisa, enviar mensagens de texto aumenta o risco de acidente em 23 vezes e fazer uma ligação diminui a atividade cerebral ligada à direção em 37%.
A operadora de telefonia AT&T ouviu mais de 1000 motoristas americanos. Quase metade deles, 49%, admitiu enviar SMS enquanto dirige, embora praticamente todos – 98% – reconheçam que é perigoso.
Com o objetivo de diminuir o número de acidentes relacionados ao uso do celular na direção, a justiça do estado da Califórnia proibiu a utilização do aparelho ao dirigir. A lei determina que o condutor não pode acionar nenhuma das funções. Isso inclui GPS, acesso à internet e envio de SMS.
As ações para inibir as distrações do condutor não param por aí. A Universidade de Ohio, em parceria com a divisão de pesquisas da Honda, construiu um simulador de condução de automóveis.
Com investimento total de 1,3 milhão de dólares, o laboratório tem o objetivo de investigar como os condutores se comportam expostos a distrações do cotidiano.
O simulador tem uma tecnologia que permite acompanhar a mudança de olhar. Ele ainda é capaz de monitorar a pressão arterial e cardíaca, além da taxa de respiração, para indicação do nível de stress, que também afeta a direção.
AJUSTE DE ESTAÇÃO DE RÁDIO
Tempo de desatenção = 1,5 segundo
Distância percorrida
60 km/h: 25 m
100 km/h: 42 m
Uma tarefa simples como o ajuste da estação do rádio leva cerca de 1,5 segundo. Parece pouco, mas é o bastante para provocar um acidente, pois a 60 km/h o condutor percorre 25 metros sem olhar para a via. Uma pesquisa do Erie Insurance, órgão de segurança dos EUA, afirma que 2% dos acidentes estão associados ao uso do rádio.
LER MENSAGENS DE TEXTO
Tempo de desatenção = 2 segundos
Distância percorrida
60 km/h: 34 m
100 km/h: 56 m
O envio de mensagens de texto é a falta de atenção mais alarmante, pois envolve distração manual, visual e cognitiva simultaneamente, segundo o NHTSA. A maioria dos condutores submetidos ao teste levou 2 segundos para ler uma mensagem, o suficiente para percorrer metade de um campo de futebol como se estivesse de olhos vendados.
BUSCAR OBJETOS EM PORTA-LUVAS
Tempo de desatenção = 1,5 segundo
Distância percorrida
60 km/h: 25 m
100 km/h: 42 m
Principalmente em condução noturna, o motorista que abaixa a cabeça dentro da cabine fica submetido a um ambiente escuro. Ao voltar o olhar para a pista, se cruzar com um carro com farol alto, ocorrerá ofuscamento. Nesse caso, leva de 3 a 4 segundos até o condutor recuperar a capacidade de enxergar.
DIGITAR NÚMEROS PARA FAZER LIGAÇÃO
Tempo de desatenção = 2 segundos
Distância percorrida
60 km/h: 34 m
100 km/h: 56 m
O uso de celular com uso de viva-voz ou Bluetooth não é substancialmente mais seguro, segundo o VTTI. Até agora, a pesquisa indica que a distração cognitiva de ter uma conversa ao telefone faz com que motoristas aumentem em duas vezes o tempo de reação. A ação de digitar o número já é considerada uma distração perigosa.
ESCREVER MENSAGEM DE TEXTO
Tempo de desatenção = 2,5 segundos
Distância percorrida
60 km/h: 42 m
100 km/h: 69 m
Segundo dados do NHTSA, mandar mensagens de texto ao volante chega a ser seis vezes mais perigoso que dirigir depois de ingerir bebida alcoólica. Os condutores do teste voltaram o olhar para a pista quatro vezes. É possível considerar que essa distração durou 10 segundos no total e o motorista percorreu 280 metros a 100 km/h.
PROCURAR ENDEREÇO
Tempo de desatenção = 3 segundos
Distância percorrida
40 km/h: 36 m
Procurar um endereço no trânsito ocorre em baixas velocidades, mas nem por isso é menos perigoso. No teste, para o condutor identificar as ruas, era preciso reduzir a velocidade. No entanto, é a distração que demanda maior abdicação de tempo dedicado à via: 3 segundos. De acordo com o estudo da Erie Insurance, 7% dos acidentes ocorrem durante a observação de lugares externos.
ESTATÍSTICAS
80% das colisões têm origem na falta de atenção ao volante
Fonte: NHTSA
15% dos acidentes fatais acontecem por distrações na direção
Fonte: NHTSA
98% dos acidentes ocorrem por fatores humanos
Fonte: USP
37% da atividade cerebral ligada à direção é perdida durante uma ligação
Fonte: ITTV
49% dos motoristas enviam SMS na direção
Fonte: AT&T
98% dos condutores reconhecem que trocar mensagens é perigoso
Fonte: AT&T
18% afirmam sentir-se mais produtivos quando trocam SMS na direção
Fonte: AT&T
2% da população é capaz de executar tarefas múltiplas
Fonte: ABRAMET