Para dar conta de segurar a invasão russa em seu país, os ucranianos vêm recorrendo a doações e uma boa dose de criatividade. Picapes enviadas de diferentes países, por exemplo, estão sendo transformadas em peças de artilharia motorizada — mas são os carros do Reino Unido que, em reviravolta interessante, trazem uma dose de proteção extra.
Voluntário da campanha de arrecadação Car4Ukraine, Ivan Oleksii é um dos que, desde março, recebem caminhonetes do mundo todo, adaptando-as para a guerra. São veículos aceitos em quase qualquer estado de conservação, desde que sejam 2.0 diesel e com tração 4×4. Após serem dirigidos até a Ucrânia, há uma conversão simples, que inclui pintura camuflada, eventual identificação militar e acréscimo de metralhadoras na caçamba.
“É fácil transformar uma picape em um veículo blindado”, disse Oleksii ao The Telegraph. “Soldados nos disseram que uma caminhonete com metralhadora atrás é equivalente a ter 20 tropas de infantaria ao seu lado”. A blindagem, por outro lado, pondera o voluntário, não pode ser tão pesada, a fim de não sobrecarregar demais o veículo.
De 150 modelos doados até agora, cerca de uma centena veio do Reino Unido — a maioria oriunda de atividades rurais, com preço na casa de duas mil libras (cerca de R$ 13.000). Não há grande diferença entre modelos da Europa continental, a não ser o lado do volante. E isso faz muita diferença.
De acordo com Oleksii, as caminhonetes são alvo constante de franco-atiradores russos, que, entretanto, estão errando com frequência o alvo. Os snipers vêm atirando no lado esquerdo do carro, crentes de que ali estaria o motorista. Não apenas não está como, ultimamente, o exército da Ucrânia está colocando manequins no banco do passageiro.
Com o despiste ideal, destaca o ucraniano, os veículos vêm orgulhando as tropas do país invadido. “Alguns dias atrás recebemos imagens de um míssil de cruzeiro que havia sido disparado pela Rússia, mas foi derrubado pela metralhadora de uma das nossas picapes”, contou ao Business Insider.
Paixão pela L200
A Car4Ukraine também conta com os trabalhos de Nika Ostratyuk, uma produtora de cinema que fugiu do país de origem e está refugiada na ilha britânica. A voluntária se encarrega de vasculhar sites de carro usados, e dirige até 320 km para adquirir um modelo. “Os fazendeiros normalmente ficam felizes de nos vender a picape quando descobrem o motivo”, explica, acrescentando que em seis ocasiões acabou sendo doado pelo anunciante.
Um detalhe interessante é a predileção dos ucranianos pela Mitsubishi L200, cujo preço caiu sensivelmente desde que a marca anunciou a saída do Reino Unido, durante a pandemia. Baratas e sem mercado em países com volante à esquerda, as L200 compõem o grosso da iniciativa, certamente contribuindo para a maioria de veículos com mão inglesa.
Além de ainda mais baratos pós-saída da Mitsubishi, os modelos mais antigos da picape trazem tudo que as tropas precisam: uma tonelada de capacidade de carga, pouca eletrônica embarcada (facilitando a manutenção) e peças confiáveis e de fácil reposição.
Algumas unidades, destaca um intermediário de pseudônimo Freddie, vão além, cumprindo a missão com mais de 240.000 km rodados. Provavelmente não veremos tais virtudes destacadas em uma peça publicitária da fabricante mas, sem dúvidas, é um bom teste de Longa Duração.