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Razão sem emoção

Por Jeremy Clarkson
13 dez 2013, 16h00

Com desempenho entre eletrizante e espetacular, o Audi RS6 não é só força bruta, é a lição de casa de um engenheiro alemão

O tráfego que se arrasta como lesma na volta a Londres nas noites de domingo é suficiente para fazer os seres mais pacientes pensarem se deveriam parar no acostamento e dar um tiro na cabeça. O fim de semana acabou. As crianças estão cansadas e irritadas. E o tráfego está horrível. Sempre foi assim, mas agora, na M1, uma das principais rodovias da Inglaterra, o governo achou um jeito de tornar tudo muito pior, pois o limite de velocidade foi baixado para 80 km/h. Isso significa que todo mundo baixou para o novo limite. E existe uma palavra para isso: comunismo.

Não duvido por um instante que muitas pessoas com especialização em matemática avançada passaram muitas semanas trabalhando com os princípios da mecânica de fluidos para decidirem que limite deve ser adotado para garantir uma viagem segura a todos. Infelizmente, seres humanos não são moléculas. Não gostamos de ser comparados com água passando por um cano, porque cada um de nós é diferente. Algumas pessoas são dinâmicas e enérgicas. Outras são ratinhos de laboratório. É um fato que se você der a todas as pessoas do país 100 libras esterlinas hoje, amanhã algumas terão 1 000 e outras nada. E é isso que os matemáticos do governo não entendem. Quando a extinta União Soviética experimentou o conceito de tornar todas as pessoas iguais, não levou muito tempo até ela precisar de uma polícia secreta para manter essa ideia. Radares de velocidade… KGB… No fundo, no fundo, a mesma coisa.

Eu estava na M1 um domingo à noite e nunca estive numa situação em outra estrada do mundo  que fosse tão perigosa. Porque subitamente todas as pessoas dinâmicas e enérgicas estavam presas e o carro da frente nem acelerava, porque estava sendo dirigido por um ratinho de laboratório, sem dar passagem, porque todos estavam a 80, deixando as três faixas da rodovia entupidas. É o tipo de coisa que deixa um macho alfa louco da vida. Aí ele começa a colar no carro da frente e a tentar passar, usando brechas que na verdade não existem. E isso faz com que os ratinhos freiem de susto. Então você está em um mundo de pneus guinchando e metais torturados, que logo se transforma em uma manchete como “Engavetamento causa dezenas de mortes”.

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Devo explicar que, de longe, o maior agressor naquela noite era eu. Porque eu estava furioso com os políticos que permitiram que esse sistema fosse adotado. Eu estava furioso com os matemáticos que decidiram pelo limite de 80 km/h. Porque o que mais me enfurecia é que eu estava num Audi. Uma grande perua RS 6 biturbo vermelho vivo.

Todos sabemos que os motoristas dos Audi são os mais agressivos da Europa, e muitas vezes eu fiquei pensando o que vem antes: o clima de guerra ou o carro. Bem, agora tenho a resposta. Na maior parte do tempo eu sou bem calmo ao volante. De vez em quando libero um xingamento para homenagear a burrice de outro motorista. Mas não colo na traseira, não fico mostrando um punho cerrado nem chego ao meu destino com o rosto da cor de uma ameixa. E mesmo assim, num Audi tudo isso aconteceu comigo. Eu acho que a empresa coloca testosterona no sistema de ar-condicionado. Bem, será que o dono de um Audi está em permanente estado de fúria porque ele não tem um BMW ou Mercedes? De qualquer forma, eu estava uma ameaça naquela noite, chegando perto demais do carro da frente numa tentativa burra e perigosa de fazer o desgraçado sair da minha frente. E, ao me dedicar a essa atividade idiota, notei algo estranho. O Audi era equipado com um radar no seu bico, que o alerta quando você está andando perto demais do carro da frente. Tal recurso já existe em muitos carros hoje e normalmente ele tende ao excesso de cautela. Mas não no Audi: ele emite um alerta vermelho somente quando você está precisamente a 2 cm do carro da frente. E mesmo no meu estado insano eu achei que era algo meio idiota.

Mas, já que estamos nos pontos negativos, acho que devemos examinar também outras coisas erradas com a nova RS 6. Primeiro: ela não é tão boa de dirigir. Você tem um sistema de tração nas quatro rodas que usa um diferencial central mecânico para distribuir a força motriz entre as rodas dianteiras e as traseiras. Você tem uma suspensão a ar adaptativa. E então você tem mais diferenciais para mandar mais força para a roda direita ou a esquerda. E um sistema de direção desenvolvido após mais de um século de tentativa e erro. Mas na maior parte do tempo ele não te conecta com o carro e então, muito ocasionalmente, quando você está realmente andando rápido, a RS 6 é subjugada pelo torque e fica um pouquinho cambaleante. Se você realmente quer uma perua grande que passe a sensação de uma Ferrari usando botas de borracha, uma Mercedes AMG é melhor.

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Dito isso, o motor deste Audi é uma belezinha. A RS 6 anterior tinha um grande V10 de 5 litros, mas para a nova edição a empresa escolheu o V8 biturbo de 4 litros que a Bentley está usando no Continental GT. Há menos potência do que antes, mas também menos peso. Um quinto da carroceria é agora feito de alumínio. A fiação é a mais fina possível. O isolamento acústico foi escolhido por sua característica de similaridade com o hélio. E, como resultado, o desempenho ainda está entre eletrizante e espetacular.

Este é um carro que leva duas crianças no banco de trás para viajar nas férias – e mesmo assim leva você de 0 a 100 km/h em menos de 4 segundos. E chega a 250 km/h. E não é apenas força bruta e ignorância, porque quando você está só passeando, quatro dos oito cilindros são desligados. E, para garantir que o carro não chacoalhe até desmanchar por isso, os “coxins de motor ativos” são equipados com “atuadores de bobinas de oscilação eletromagnética que induzem contraoscilações de deslocamento de fase que anulam a maior parte das vibrações do motor”. Você pode dizer que é coisa de alemães, não?

Mas é exatamente o tipo de engenharia que falta no Jaguar F-Type V8 S, sobre o qual escrevi faz pouco tempo. O tipo de coisa que faz você dizer “como é que é?” A RS 6 está cheia delas. Soluções inteligentes para problemas que você não sabia que existiam. Alguns deles têm a ver com peso. Alguns com a qualidade da música do sistema de entretenimento. Você percebe o tempo todo que está dirigindo mais a lição de casa de um engenheiro do que um carro.

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Talvez seja por isso que ela passe a sensação de um pouco distante. Um pouco sem graça. Porque, ao contrário do Jaguar, ela não foi construída com paixão, mas com matemática. E a matemática, como sabemos das câmeras stalinistas da M1, nem sempre funciona bem.

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