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Por que carros e caminhões são proibidos nesta rodovia americana?

Nada de ambientalismo ou ruído. A culpa é de um motorista radical e cavalos assustados

Por Eduardo Passos
Atualizado em 26 nov 2020, 20h49 - Publicado em 26 nov 2020, 18h19
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O marco zero da M-185, com sinalização em madeira e vários ciclistas, dá o tom bucólico que se segue ao longo de 14 km (Geoffrey George/Acervo pessoal)

Motoristas estão acostumados a diversas limitações de peso e altura em estradas do Brasil. No ‘caracol’ da Rodovia Oswaldo Cruz (SP-125), por exemplo, que liga Taubaté ao litoral paulista, caminhões e ônibus são expressamente proibidos ao longo de oito sinuosos quilômetros.

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O mesmo ocorreu temporariamente em 2011, num dos principais acessos a Belo Horizonte — cuja ponte só pôde ser atravessada por veículos de até oito toneladas. Aos pesados, restou um imenso desvio até a capital mineira enquanto as obras de emergência ocorriam.

Mas qual a razão de uma rodovia — parte do exuberante sistema de highways dos Estados Unidos — ter proibido todo de tipo de veículo motorizado em sua extensão?

Localizada ironicamente em Michigan, berço da indústria automotiva americana, a M-185 é a principal via da ilha de Mackinac, um balneário turístico e parque nacional que atrai milhares de visitantes ao lago Huron anualmente.

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Mackinac
A ilha de Mackinac (à direita) é vizinha à Interstate 75, uma das principais estradas dos EUA (Reprodução/Google)

Alheios à revolução que ocorreria em Detroit, 460 km ao sul, os moradores da pacata ilha temiam que os recém-chegados automóveis pudessem assustar seus cavalos, forçando uma lei em 1898 que proibia veículos a combustão no perímetro urbano.

“Resolvido: que se proíba o rolamento de carruagens sem cavalo dentro dos limites da vila de Mackinac”, dizia o Diário Oficial local, em 6 de julho daquele ano.

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A M-185 durante sua construção, nos anos 1900 (Reprodução/Detroit Publishing Company Collection)

Em 1900, entretanto, um empresário ousou dar uma volta na estrada que contornava a ilha com seu recém-lançado Locomobile. O resultado? Vários cavalos se assustaram com o carro a vapor, que atingia até 64 km/h.

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O medo dos bichinhos, somado aos danos de algumas carruagens quebradas e passageiros escandalizados com a violência do Locomobile, gerou comoção, levando a comissão que cuida do segundo parque nacional mais antigo dos Estados Unidos a proibir qualquer tipo de veículo automóvel por lá, em definitivo.

120 anos depois, muita coisa mudou, e a ilha tem até um aeroporto de dar inveja a muitos aeródromos; mas os carros seguem proibidos. Mesmo assim, em 1937, a via de 13 km que contorna a ilha foi entregue ao Departamento de Trânsito do estado de Michigan, recebendo status de rodovia.

Isso quer dizer que a M-185 é legalmente equivalente a rodovias como a M-50 ou a M-46 — rotas vitais à ligação e que recebem até 50 mil veículos por dia. Na estrada de Mackinac, porém, só há pedestres, bicicletas e cavalos.

Regras existem para ser quebradas

É óbvio que, ao longo de 120 anos, houve exceções motorizadas circulando pela M-185. Uma das mais famosas foi em 1979, quando o ator Christopher Reeve obteve autorização especial para estrelar por lá o filme “Em Algum Lugar do Passado”. A condição foi que a equipe só ligasse e efetivamente usasse os carros no momento da filmagem, e nem um instante além.

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Além de Christopher Reeve e seu Fiat 124 Sport Spider, só autoridades puderam dirigir na M-185 desde 1900 (Reprodução/Universal City Studios)

Pouco antes, em 1975, em visita do então presidente Gerald Ford à ilha, o Serviço Secreto escondeu veículos por Mackinac para casos de emergência, mas não chegou a utilizá-los.

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Gerald Ford fez questão de cumprir todo o itinerário de carruagem ou a pé (Karl Schumacher/National Archives and Records Administration)

O mesmo vale até hoje para veículos de salvamento, que podem circular pela ilha assim como snowmobiles da polícia. Em épocas mais quentes, porém, os policiais costumam patrulhar em bicicletas.

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Mesmo tendo visto quase nenhum carro em 120 anos, a M-185 tem estrutura idêntica a qualquer outra rodovia (Jdmdetroit1/Acervo pessoal)
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Em 6 de julho de 1998, os moradores ainda comemoraram o centenário da lei anticarros. Ironicamente, um dos destaques da grande festa foi um Geneva 1901 a vapor (carro semelhante ao Locomobile) que infringiu a lei para celebrá-la, desfilando pela vila.

Vice-presidente pode?

Não surpreende que a maior polêmica da história de Mackinac tenha ocorrido, justamente, por conta da dupla que comandará a Casa Branca até janeiro de 2021. Mais precisamente pelo vice-presidente Mike Pence, que foi à ilha no ano passado.

Pence, que podia pousar no aeroporto da vila e seguir de helicóptero ao famoso Grand Hotel, onde participaria de um evento, optou por levar oito Chevrolet Suburban ao local, num comboio que o acompanhou pela rota de 1,6 km até o hotel, voltando no fim do dia.

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Mike Pence e seu comboio causaram polêmica ao quebrar uma tradição (e lei) de 119 anos (Reprodução/Twitter)

A quebra da tradição de maneira tão intensa magoou os nativos, que se orgulham do caráter excepcional de sua rodovia. Apesar do comboio ter gerado o primeiro engarrafamento da história de Mackinac, já houvera um acidente na M-185 em 2005, quando uma ambulância e um caminhão dos bombeiros que seguiam ao mesmo local — uma balsa acidentada na praia — colidiram entre si.

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Vidas salvas mas um histórico centenário maculado. Cabe ao leitor julgar essa ambulância e o caminhão de bombeiros, ambos de Mackinac (Imzadi1979/Acervo pessoal)

Desde então, a rodovia segue sendo um dos principais pontos turísticos do estado-berço da Ford e Chevrolet, entre outras fabricantes.

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Até hoje a sinalização da M-185 é exclusivamente em placas de madeira, como essa de 2011 (Royalbroil/Acervo pessoal)

Se engana, porém, quem acha que a pavimentação é desleixada: o Departamento de Trânsito realiza reformas constantes no asfalto da pista, extremamente próxima à água.

Além de combater a erosão, as obras atuais incluem construção de quebra-mares em pontos específicos e recapeamento da via. Em novembro de 2020, a M-185 segue em reforma e com trechos em faixa simples. Sua charmosa sinalização ainda mantém a identidade visual do início do século XX. Já o motorista que, em 1900, causou isso tudo jamais se pronunciou.

 

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