O Volkswagen Gol foi um sucesso incontestável. Lançado em 15 de maio de 1980, teve mais de 8.500.000 unidades vendidas no Brasil e em outros países até deixar de ser produzido oficialmente em 23 de dezembro.
Mas foi um dos carros que tentou substituí-lo ao longo dos últimos 42 anos, o Volkswagen Up!, quem emprestou o motor para este Gol BX 1985 que se tornou a conexão perfeita entre o passado e o presente. De quebra, ainda fizeram o Up TSI duas portas que a Volkswagen nunca teve a coragem de lançar.
As duas criações são de Élcio Vasconcelos, funcionário público de Belo Horizonte (MG). Tudo começou após ter presenteado seu filho Alexandre, em 2018, com um VW Take Up duas portas 2014/2015. Era a versão mais básica na época, apenas com rodas aro 13, limpador e desembaçador traseiro, airbags e freio ABS. Essa carroceria só foi vendida com o motor três-cilindros 1.0 12V aspirado, que rendia até 82 cv e 10 kgfm.
Alexandre, apaixonado por carros da Volkswagen, queria fazer um projeto exclusivo transformando seu Up! 2015 no modelo 2018, que não existiu oficialmente. Graças a um amigo da família, dono de um ferro-velho, a ideia ganhou corpo e pouco tempo comprou a sucata de um Cross Up! TSI 2018 com apenas 14.000 km batido de traseira. Como a dianteira e todos seus periféricos estavam intactos, Élcio e Alexandre decidiram que esse carro cederia componentes para o projeto.
De Take a Fake
Élcio migrou toda a mecânica do Cross Up!, que a partir daquele 2018 passou a ser vendido apenas com o motor TSI. Mais potente, seu 1.0 turbo com injeção direta entregava até 105cv e 16,8 kgfm. Acabou criando o Up TSI duas portas que a Volkswagen nunca teve coragem de lançar.
Agora o Up! Fake, como é carinhosamente chamado, passou a ter todos os componentes mecânicos do Cross Up!, inclusive direção elétrica, computador de bordo, ar-condicionado, faróis com máscara escurecida e moldura cromada, faróis de neblina, relógio digital, sistema de som com tela colorida, travamento elétrico das portas, vidros dianteiros elétricos, volante multifuncional em couro e controle de tração (M-ABS). Os bancos são os mesmos do Take originais, e receberam forração inspirada no Up! GTi europeu.
A mecânica foi migrada de um carro para o outro sem a necessidade de adaptação. A instalação incluiu a troca do agregado do motor, sistema de freios, amortecedores, além de todo o chicote elétrico, painel, entre outros componentes.
Posteriormente o Up! Fake recebeu a famosa tampa preta com abertura elétrica por botão, de outro Up! TSI doador (agora um Pepper) e, enfim, foi devidamente documentado via despachante, constando em seu documento o número do motor e potência corretos.
E o motor 1.0 aspirado?
Passado um tempo, Élcio cogitou vender a mecânica original do Up! Take, que estava em um canto de seu quintal. Após algumas tentativas de venda sem sucesso, devido à baixa procura, seu filho o incentivou a montar um projeto diferente. Surgiu então a ideia de “dar um Up” em um Gol quadrado.
Começaram, então, uma busca por um Gol da primeira geração que tivesse boa estrutura. A escolha se deu por um Gol BX 1985 e foi estratégica: a maioria dos carros refrigerados a ar têm longarina e túnel do motor sem rachaduras, comuns aos demais modelos refrigerados a água.
O carro, que trazia motor boxer 1.6 a etanol de 51cv e 10,5 kgfm, estava com a estrutura excelente, bastante alinhado e original, mas com reparos a serem feitos na carroceria e com o motor “cansado”. Isso não seria um problema, pois esse motor logo seria aposentado.
Instalar o um motor moderno em um carro tão antigo foi mais complicado. Foi necessário um flange para acoplar o motor ao câmbio original do Gol BX. A flange foi encontrada no mercado de peças, uma vez que existem buggys que já utilizam o motor três cilindros 1.0 com o câmbio do Fusca.
O painel frontal recebeu uma barra auxiliar para que o motor fosse calçado usando os coxins originais do Up!. Além disso, foram fabricados outros suportes dianteiros, para o radiador e para o reservatório do líquido de arrefecimento, instalados à direita.
O motor 1.0 continua sendo controlado pela central original, que foi instalada no painel corta-fogo próximo ao número do chassi, e funciona perfeitamente. O capô fecha perfeitamente, mas foi preciso trocar a tampa do óleo e fazer uma adaptação na vareta de óleo. Ainda adaptaram o coletor de ar do Ford Ka com um filtro cônico esportivo.
O chicote elétrico original do Up! Take foi totalmente reaproveitado, com direito a manter a mesma caixa de fusíveis e o velocímetro original, instalado no porta-luvas. O comutador de ignição também é o mesmo do Up!, com o codificador, e foi instalado local original do Gol. O velocímetro original do Gol BX continua operante, fornecendo as demais informações do carro. Os bancos dianteiros são de um Gol 2007 2 portas, e as rodas aro 13, de um Passat TS.
As modernizações seguiram. Tentaram aproveitar ao máximo o sistema de freios original do Up!, inclusive com o sistema ABS. Para o Gol BX poder receber os rolamentos magnéticos (de um Gol 2018), para ter sinal das rodas, foi necessário adaptar as torres dos amortecedores dianteiros do Gol 2001, mais espaçosas. As pinças de freio e os discos dianteiros de 239 mm também são do Gol 2001. Na traseira estão os tambores de freio do Up! MPI e o cilindro mestre foi trocado pelo da Saveiro 2018.
Embora o freio ABS funcione perfeitamente, de acordo com o proprietário, seu acionamento é duro. A falta de espaço no cofre do motor não permitiu que o hidrovácuo fosse instalado.
Mesmo que tenha mais eletrônica e um motor completamente diferente, este Gol BX 1.0 pesa cerca de 770 kg. E todas as extensas adaptações não impedem seu uso diário, até porque o carro está documentado e tem laudo emitido pelo Inmetro. O proprietário conta que já rodou mais de 20.000 km depois da troca dos motores e que o BX é frugal: faz média mista de 12 km/l quando com etanol.
Élcio conta que o desempenho do seu Gol, agora com 31 cv a mais, é instigante e mesmo que o câmbio seja o original do BX, com 4 marchas, o carro ganha velocidade rapidamente e não perde velocidade nas subidas. Conta, ainda, que é comum atingir 120 km/h em terceira marcha.
Ainda há mais modificações por vir, como a adoção de direção elétrica e ar-condicionado. Mas a reforma da carroceria ainda está na fila de prioridades. Mas o mais interessante ainda é o fato de este ser um Gol da primeira geração equipado com o mesmo motor que equipou o último Gol fabricado. Seria este o verdadeiro carro “neoclássico”?