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Jeremy Clarkson: o espírito da América em um Lincoln Town Car

Lincoln Town Car é o carro ideal para o homem de negócios: espaço para seis e uma suspensão tão macia que roda com conforto até numa cidade bombardeada

Por Jeremy Clarkson
Atualizado em 10 dez 2016, 11h28 - Publicado em 18 fev 2016, 17h08
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  • Lincoln Town Car

    Como agora tenho minha própria empresa de produções, tive de aprender a me comportar como um homem de negócios em viagens.  São as pequenas coisas que fazem a diferença, como a mala com rodinhas que cabe no compartimento de bagagens de teto do avião ou o notebook que nunca fica sem bateria.

    Um homem de negócios, por exemplo, não usa rede wi-fi ou qualquer outra facilidade do aeroporto, pois usar esses serviços daria a entender que ele não tem o equipamento adequado para isso e, pior, que seus negócios são tão pouco importantes que ele não se importa que suas conversas sejam transmitidas por um servidor inseguro. Se você vir alguém em uma daquelas cabines para negócios do saguão do aeroporto, pode ter certeza de que ele é um feto no mundo dos negócios. Um novato.

    Na aeronave, um homem de negócios nunca toma um drinque, porque sugere aos outros que que ele pode ser um alcoólatra – nenhum homem de negócios bebe. Ele também não assiste a filmes no voo, porque tem todo o estímulo necessário em uma planilha de trabalho. Ele cai no sono 6 segundos após o aviso luminoso de manter os cintos afivelados seja desligado. Quando o aviso é aceso novamente, ele imediatamente fica em pé, no terno que estava escondido na mala do tamanho exato do compartimento de bagagens de teto. Ele então saca seu notebook, que está ligado faz seis anos e ainda tem 42% da carga na bateria. Quatro minutos após a aeronave tocar a pista de pouso, ele está fora do aeroporto, no banco de trás de um Mercedes Classe S.

    Tenho de admitir que sou uma negação em tudo isso. Eu assisto a filmes no voo, minha mala é grande demais e não tenho um terno. Mas tenho noção do que você precisa no final da jornada. E eu sei que o Classe S é errado. Ele seria a escolha correta na Europa ou Ásia, mas qualquer um em viagem a um desses lugares está dizendo que é um homem de negócios de segunda categoria. De fato, o único lugar para fazer negócios de verdade são os Estados Unidos, e se você está indo para lá, não pega bem ser visto em um tanque alemão. E foi por isso que em um fim de semana recente, em uma visita rápida a Seattle, eu fui apanhado por um Lincoln Town Car.

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    Infelizmente, isso logo será um problema, porque a Ford parou de fabricar o modelo quatro anos atrás, o que significa que a fornada atual sendo usada para transferir homens de negócios para seus hotéis no centro dará seu último suspiro e então morrerá. E depois, o que acontece? Porque simplesmente não há outro carro como ele à venda atualmente.

    Para começar, ele é enorme. Até 2003, de fato, ele era o maior carro do hemisfério ocidental. Se você conseguisse fazer um Town Car flutuar na água – o que é impossível, porque ele é construído com os metais mais pesados conhecidos pelo homem –, poderia usá-lo como um porta-aviões.

    A parte boa é que isso significa que o interior é pouco maior do que a maioria das lojas do Walmart. Equipado com bancos inteiriços, pode levar o motorista e cinco homens de negócios (ou três americanos). E o porta-malas é tão vasto que nem a família Beckham conseguiria enchê-lo de bagagem. Aparentemente há espaço para quatro conjuntos de tacos de golfe. E talvez o carrinho de golfe também.

    Mas a melhor coisa sobre um Town Car não é o tamanho ou o estilo lounge da parte de trás da cabine: é o seu conforto ao rodar. Os carros europeus e japoneses sempre são feitos com um olho em Nürburgring. Eles não conseguem evitar. Lá no fundo, eles pensam que a dirigibilidade é mais importante do que segurança, preço, consumo de combustível, a paz mundial ou a economia global. Mas o problema é que, se você fabricar um carro projetado para grudar na pista ao serpentear por uma estrada dos Alpes, inevitavelmente o conforto vai ficar em segundo lugar.

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    Nos Estados Unidos é diferente. Muitos americanos acham que o volante nada mais é que um lugar prático para apoiar um notebook. Fazer uma curva a mais de 3 km/h pode fazer seu copão de café entornar. Então, por que se dar ao trabalho?

    A Lincoln definitivamente entendia isso quando projetou o Town Car, lá em 1876. É claro que ele evoluiu desde então – os últimos vinham com acendedor de cigarro e o estilo do couro mudou. Mas a receita é basicamente a mesma. Você tem uma carroceria presa ao chassi por parafusos, um eixo rígido e um V8 que produz uns 7 cv, mas dura 1 milhão de anos. E há a suspensão, capaz de absorver até os buracos mais selvagens das ruas de Nova York. Você pode dirigir um Town Car por uma cidade recém-bombardeada com alguém fazendo uma cirurgia oftalmológica, e o paciente não correrá grandes riscos. A suspensão é tão macia que uma vez eu parei um Town Car dos anos 80 em uma loja de Detroit e quando voltei, uma hora mais tarde, ele ainda estava balançando. É provável que esteja balançando até hoje.

    É claro que isso tem um efeito no modo como ele faz curvas. E sabemos como ele faz isso porque o carro-irmão do Lincoln – o Ford Crown Victoria – é usado por muitas das polícias dos EUA. E todos já vimos o que acontece quando ele entra em uma perseguição. Embora tenham suspensão reforçada, eles normalmente acabam em uma valeta.

    Mas aqui está o detalhe: quando você volta ao mundo após nove horas de voo, que carro você gostaria que o transportasse pelos inevitáveis congestionamentos até o centro da cidade? Um carro capaz de dar uma volta em Silverstone em 90 segundos? Ou um que seja confortável?

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    Também há outras coisas. Como o interior é feito com plástico de caixa de DVD e mobília de uma loja de decoração e emprega dormentes do século 19 na sua construção, seu custo, quando a produção foi encerrada, era de 24 centavos de dólar. E como o motor faz com que o carro não passe de 3 km/h, ele só precisa ir para a revisão uma vez a cada milhão de anos. O Town Car era tudo que uma limusine deveria ser. Espaçoso, bem equipado, confortável e barato para seu operador adquirir e manter. Exceto pelo cheiro de limão fresco do inevitável aromatizador de ambiente, era um lugar adorável de ficar. Um gostinho dos Estados Unidos antes de você realmente chegar lá, entende?

    Mas agora ele foi substituído por uma coisa chamada MKT, que parece um Citroën. Um homem de negócios não seria visto nele nem morto. E é por isso que você não lerá um artigo meu a respeito dele tão cedo.

    Lincoln MKT

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