Nós britânicos gostamos de pensar em nós mesmos como bem-educados e cultos, com um grande senso de humor e uma determinação férrea. Mas quando dirige uma Ferrari por aqui, você percebe logo que, na verdade, somos hipócritas, amargos e cheios de inveja e ódio.
Se uso um carro normal para ir trabalhar, eu paro no cruzamento do final da minha rua e as pessoas me deixam entrar no lento rastejar da via principal. Mas quando eu estou em uma Ferrari, é o oposto.
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Na Grã-Bretanha, o Sr. Normal vê a Ferrari como lembrete de que sua vida não se desenrolou como esperava. Ele vê seu motorista como personificação do menino que roubava seu lanche na escola. Ele acredita que, se puder criar obstáculos para alguém numa Ferrari, é um tapa na cara dos ricos e privilegiados. E depois há os ciclistas. Muitos usam sua bike para promover uma guerra de classes. Eles veem os motoristas como um cruzamento entre Margaret Thatcher e Hitler, por isso gritam e cospem nos carros. Mas se estiver numa Ferrari, eles ficam frenéticos, pois agora você é um embaixador do próprio demônio. Você usa mão de obra infantil para ganhar dinheiro. Então, é o dever deles bater no seu teto e gritar obscenidades.
Mesmo os bem de vida não podem lidar com uma Ferrari. Em uma cidadezinha próxima a Londres, encontrei um BMW M3. Ele era o macho alfa dessa terra. E ele realmente não gostava de que aparecesse alguém com um membro obviamente maior. Então, ele emparelhou comigo, rugiu seus escapamentos, dançou e patinou para fazer com que eu fosse embora. E eu fui.
Você não consegue qualquer uma dessas respostas em outros países. Uma Ferrari nos EUA é um estímulo, um lembrete de que você precisa acordar mais cedo e se esforçar mais. Na Itália é uma obra de arte, que deve ser admirada. Em qualquer outro lugar, é um sonho tornado realidade. Mas na Grã-Bretanha, faz com que todo mundo diga: “it’s all right for some” (“algumas pessoas têm sorte”). Que é a expressão mais deprimente da língua inglesa.
Isso significa que, para cada minuto de prazer que você obtém com sua Ferrari, tem de aguentar dez minutos de abuso e ódio. Significa que você precisa ser durão para dirigir uma. A não ser que você me encontre em suas viagens. Porque, quando vejo alguém dirigindo uma Ferrari hoje, quero correr e abraçá-lo e me oferecer para ter filhos com ele.
O problema é o imposto sobre ganho de capital aqui no Reino Unidos, que fez carros como as Ferrari virarem uma moeda de alto valor. Você compra algo raro, coloca na garagem, sempre cobrindo com uma capa, e então você vende e embolsa 100% do aumento de valor. O Leão não recebe um centavo. Significa que ela é seu pé-de-meia. Sua poupança com limpador de para-brisas. E você não vai sair com ela por aí. O risco é grande demais.
Isso me entristece, porque todos os carros maravilhosos do mundo agora estão trancados em adegas com umidade controlada. O que significa que não estão na estrada, onde eles pertencem. Se fosse ministro da Fazenda britânico, eu decretaria um imposto sobre ganho de capital em carros e traria todos esses carros maravilhosos de volta às vistas do público, para podermos ter a satisfação de contemplá-los.
Certamente, se fosse dono da Ferrari que dirigi recentemente, eu a usaria para ir a todo lugar. Eu me apresentaria para fazer coisas para amigos. E eu ficaria feliz se meu filho me ligasse às 3 da manhã dizendo que ficou sem dinheiro e não tinha como vir para casa. Porque daí eu poderia sair para pegá-lo.
Há os que dizem que a 488 GTB não é uma Ferrari de verdade, porque é turbo. E essa turboalimentação não tem espaço num puro-sangue desses. Eles argumentam que ela é turbo só para atender às normas de emissão da União Europeia e que seguir estritamente a letra da lei vai contra o ethos da Ferrari. Ferrari é liberdade e adrenalina, velocidade e paixão, beleza e alma. Não é sobre dióxido de carbono e burocracia.
Sim, eu entendo. Mas não esqueçamos que a Ferrari de F-1 de Gilles Villeneuve era turbo e que a melhor Ferrari de todas – a F40 – também. E não podemos esquecer que, graças aos modernos sistemas de gerenciamento de motor, você não tem como saber que bruxaria está sendo usada para bombear combustível e ar para o V8. Ela nem sequer tem som de carro turbo. Tem o som de uma Ferrari. Um som lindo. Um som maravilhoso.
E, por Deus, é adorável de dirigir. Você pode passear tranquilamente com o câmbio no automático, pois ela não é nada desconfortável ou difícil. Esse é talvez o maior feito da Ferrari com a 488. Pegar algo tão afinado, nervoso e potente e fazê-lo parecer um gatinho. Ela é tão dócil que você fica com a impressão de que não é possível que ela ande quando você cravar o pé no acelerador.
Mas ela anda, e como! Eu não conheço qualquer outro carro com motor central que passe uma sensação de ser tão amigável. Tão a seu favor. Não há absolutamente nenhuma saída de frente, tampouco qualquer perda súbita da traseira. A velha 458 não era tão boa quanto um McLaren 12C. Mas o novo carro coloca o cavalinho rampante de volta no topo. Como máquina de dirigir ela é – não tenho outra palavra – perfeita.
Bem, eu ainda detesto o painel. Colocar todos os controles dos faróis, setas e limpadores de para-brisa no volante é algo tolo. E também o GPS e o rádio, que só podem ser operados pelo motorista.
Mas a melhor coisa da 488 é que você pode usá-la. O James May recentemente adquiriu a velha 458 Speciale, cujo valor disparou para um nível que faz com que ele praticamente não a use. Já a 488, como não é uma edição especial, não vai lhe trazer lucro. Por isso você pode, e deveria, usá-la como um carro.
Sim, ela vai fazer com que todos na rua tenham ódio de você. Mas olhe desta maneira: quando você está enchendo o tanque dela sendo xingado pelo cara da bomba ao lado, dê-lhe uma razão real para que ele não goste de você. Vá até ele e fale que se você não tivesse uma Ferrari, isso não faria diferença na vida dele. Ele ainda estaria indo para uma floricultura sem graça em seu Citroën caindo aos pedaços com sua mulher feia e dois filhos idiotas.