Peugeot e Citroen não são as únicas marcas do grupo Stellantis a terem problemas com seus concessionários. A Fiat também enfrenta uma disputa na justiça desde 2020 contra a Abracaf (Associação Brasileira dos Concessionários de Automóveis Fiat), devido à cobrança indevida de tributos por parte da fabricante.
Esta semana, QUATRO RODAS foi procurada por dois concessionários Fiat, que ligaram em dias e de cidades diferentes, para contar que a Abacaf estaria entrando algum novo pedido no processo que corre na Justiça, o que, de fato, não ocorreu. Mas o caso é o seguinte:
Em 2017, o STF (Supremo Tribunal Federal) excluiu o ICMS da base de cálculos de PIS e Cofins. Segundo a Abracaf, porém, a Fiat possui uma liminar na justiça que já permitia tal exclusão, desde 2007, e mesmo assim, continuou a exigir que os concessionários recolhessem o tributo.
Para descomplicar, PIS e Cofins são duas contribuições sociais federais, como explica o advogado Henrique Erbolato, sócio da área tributária do Santos Neto Advogados, e familiarizado com o caso. “Imagine que um produto custa R$ 100 e valor do ICMS sobre o produto é de R$ 18. Logo, o valor total na nota fiscal será R$ 118. Antes (de 2017) o PIS e o Cofins eram calculados a partir desses R$ 118. Com a liminar, a Fiat ficou desobrigada de recolher o PIS e o Cofins sobre os R$ 18.” Neste caso, eles eram cobrados a partir dos R$ 100.
Porém, os concessionários alegam que a montadora segue cobrando deles os tributos com base no antigo modelo (e, deixando em caixa, a parte de que não precisa repassar ao governo). A acusação da Associação é de que a empresa teria ficado com os valores de maneira ilícita por mais de dez anos.
Assim, a Abracaf entrou com uma ação judicial contra a até então FCA (Fiat-Chrysler Automobiles) em 2020, ou seja, antes da conclusão da fusão que transformou o grupo em Stellantis, ao lado da PSA (Peugeot-Citroën).
QUATRO RODAS teve acesso ao processo na íntegra onde, junto às acusações, os concessionários exigem que seja feita uma perícia nas notas fiscais emitidas por cerca de 400 concessionárias desde 2007, e a suspensão efetiva da incidência do ICMS.
Eles também pedem o valor de R$ 100.000 para fins fiscais (como para recolhimento de guias judiciais) e a restituição pelos recolhimentos de ICMS durante estes anos, valor este que deve ultrapassar os R$ 4 bilhões, mas que ainda será devidamente calculado em caso de liquidação do processo. Os depósitos, segundo pede a Associação, deve ser em juízo – um formato que garante o pagamento à parte vencedora.
Procurada por QUATRO RODAS, a Fiat diz que “a empresa não comenta processos que ainda estão tramitando na Justiça”. No processo, em sua defesa, a Fiat alega que os associados da Abracaf não pagam tributo devido pela FCA e “não têm legitimidade para postular sua restituição”.
De acordo com Henrique Erbolato, um dos argumentos da defesa da Fiat é que existe um prazo para exercer o direito de ressarcimento. Portanto, não poderia ser feita a cobrança desde 2007, quando a montadora recebeu a liminar, limitando-se a apenas três anos a partir da data em que a ação da associação foi ajuizada.
O processo ocorre desde 2020, com petição inicial feita em Betim (MG), e segue em trâmite, sem conclusão. A última atualização foi feita em setembro de 2022, sem andamentos efetivos.
QUATRO RODAS procurou ouvir a Abracaf, mas não obteve retorno da entidade até a última atualização desta reportagem.
Segundo um concessionário que pediu para não ser identificado, a Fiat propôs um acordo com a Abracaf assumindo que pagaria apenas parte do valor devido, à longo prazo, e condicionando esse pagamento a índices de desempenho da rede – impossíveis de serem alcançados, no entendimento dele.
De acordo com essa fonte, o desempenho da rede seria baseado em uma ferramenta de gestão inadequada (chamada NBS), que foi criada com o objetivo de melhorar a relação com os clientes e não com o intuito de avaliação da rede, para premiar ou punir o revendedor.
Segundo ele, essa ferramenta se apoia em pesquisas que a fábrica realiza junto aos clientes pedindo que eles atribuíam notas às concessionárias, às quais nos últimos tempos têm sido penalizadas por problemas de qualidade dos veículos e de falta de peças, que são responsabilidade da fábrica.