Não sei exatamente o que mais chama a atenção neste Mercedes Axor 3131. Talvez seja a aparência lúdica de veículo lunar, com suas bitolas largas e os grandes pneus off-road.
Brincadeiras à parte, esse Axor tem uma aplicação muito séria. Desenvolvido pela Mercedes em parceria com a Grunner Tec, empresa especializada em soluções para o campo, ele é uma versão específica para a colheita de cana-de-açúcar.
Sua base é a do Axor 3131 de linha, um extrapesado, com peso bruto total de 31 toneladas e 310 cv (como indicam seus números de identificação), mas a versão canavieira recebeu mais de 20 mudanças para se adequar ao trabalho nas plantações de cana.
A alteração mais sofisticada e complexa foi a que o transformou em um caminhão autônomo.
Para isso, foi necessário instalar um sistema de autonomia Nível 2 (que ainda requer um motorista para iniciar o movimento e assumir o volante quando necessário), que é composto basicamente por uma central eletrônica, uma antena de recepção GNSS (Global Navigation Satellite System) e um sensor de posição.
E, além desse kit, os projetistas também precisaram modificar o sistema de direção original, que era hidráulico e passou a ser eletro-hidráulico.
Um sistema de assistência elétrica seria mais fácil de automatizar, mas para o tipo de uso na lavoura, o hidráulico se mostrou mais robusto. Assim, foi introduzido um atuador eletro-hidráulico no sistema, que é controlado pela central de navegação.
Confesso que por alguns instantes me senti um pouco desanimado de ter que avaliar um caminhão autônomo, com a perspectiva de ficar o tempo todo de braços cruzados.
Felizmente, eu estava redondamente enganado, porque, em boa parte do tempo, durante a operação da colheita, o motorista tem de dirigir o caminhão e, mesmo quando aciona o modo autônomo, precisa ficar atento, pois pode haver algum imprevisto, uma pedra no caminho, um animal.
O Axor 3131 é o primeiro Mercedes autônomo utilizado em uma operação diária regular no Brasil. Segundo a fábrica, ele custa cerca de R$ 750.000 (o Axor 3131 de linha sai por cerca de R$ 450.000).
Para conhecê-lo, nós fomos até Lençóis Paulista (SP), onde fica a plantação da Agro Cana Caiana, cujos sócios são proprietários da Grunner Tec.
Meu test-drive consistiu em um ciclo de colheita completo. Ou seja: do carregamento ao transbordo da carga para o treminhão que leva a cana para a usina. E tudo que eu fiz estava valendo.
Cheguei à fazenda achando que eu participaria de uma simulação. Mas não. Todos os que me acompanharam, em outros postos (na colheitadeira, no treminhão), estavam cumprindo suas funções na colheita da safra.
Antes de assumir o volante, tive uma pequena aula sobre como acontece a cultura mecanizada na Agro Cana Caiana.
O diretor de engenharia da Grunner Tec, Henrique Belei, me explicou que o primeiro passo para a automação da fazenda é o mapeamento digital da área produtiva, com a determinação das coordenadas geográficas onde vão se localizar as linhas de cultivo. Esse mapa é o que orienta a plantadeira e, depois, a colheitadeira e o caminhão.
Assim, esses veículos podem trafegar entre a plantação sem passar por cima das mudas ou compactar o solo próximo a elas, o que seria tão prejudicial quanto, uma vez que o solo compactado impede que a planta respire e absorva água e nutrientes.
Todo o aparato tecnológico no manejo da cana, aliás, tem como um dos principais objetivos a preservação das mudas, o que tem relação direta com a produtividade.
Segundo o material técnico da Grunner Tec, com o tráfego controlado, que evita o pisoteio das linhas, o ganho de produtividade é de 21%, em média. E, além disso, aumenta-se a longevidade do canavial em pelo menos um ano por ciclo, ou seja, de cinco para seis cortes.
O roteiro do test-drive iniciou em uma área anexa à plantação. É nesse espaço que os caminhões manobram e também onde são feitos os transbordos da carga. Até chegar à plantação, o Axor 3131 se revelou um caminhão como os outros: com todos os comandos nos locais conhecidos.
As únicas novidades são a presença de um monitor de 10 polegadas com tela touch, que serve como interface do sistema de navegação, e de duas alavancas do sistema hidráulico que movimenta o implemento no momento do transbordo.
Engatei primeira, parti e logo notei que os pneus são tão fofos que parecem fazer o caminhão flutuar. Essa maciez toda tem como finalidade garantir a tração e o amortecimento da carga (para proteger o solo).
Quando cheguei ao início das linhas da plantação, um outro Axor que acompanhava a colheitadeira já estava com a caçamba quase cheia e, assim que ele partisse levando sua carga, seria minha vez de me aproximar para dar sequência ao trabalho.
A colheitadeira corta, limpa e divide a cana em pequenos pedaços, antes de arremessá-los na caçamba do caminhão.
Para que o sistema de navegação reconhecesse a linha que o caminhão deveria seguir, orientado pela imagem no monitor, tive que posicionar o veículo exatamente no início da trilha, e só então pude apertar o botão, na própria tela, para dar início à condução autônoma.
Deixando o volante livre, acelerei e a última providência que tomei foi apenas ajustar o piloto automático na velocidade sincronizada com a colheitadeira, que era de 3,5 km/h. Daí em diante só observei.
No meio do caminho, o diretor comercial da Grunner, Mateus Belei, que me acompanhava, perguntou: “Já pensou ter que encontrar a trilha só no visual?”, apontando para a solo coberto de palha. Impossível. Segundo Belei, a precisão do sistema de navegação é de 2,5 centímetros.
Os Axor da Agro Cana Caiana têm as bitolas com 3 metros de distância entre as rodas para poder trafegar entre as linhas de plantio sem pisotear a mudas – essa medida é a mais comum nas plantações do país.
Para aumentar a precisão direcional desse Axor agrícola, a Mercedes alterou também o sistema de direção. Enquanto o modelo de linha é um 6×4, o canavieiro é 8×4. A quantidade de rodas de tração é a mesma. Mas o canavieiro tem os dois eixos dianteiros direcionais.
A caçamba não demorou a encher. Na volta para a área de manobras, notei que a pista de circulação entre os lotes plantados ficava em um platô elevado e que, ao final do aclive, eu deveria fazer uma curva fechada à esquerda, momento em que o caminhão carregado com 20 toneladas de cana adernava feito uma embarcação.
Olhando pelo retrovisor, eu vi o implemento inclinando, mas tudo permaneceu sob controle, pois outra mudança feita no Axor foi a troca do conjunto de suspensão metálico original por um misto, metálico e pneumático, para assegurar maior estabilidade em qualquer tipo de terreno.
Quase terminando o roteiro, me surpreendi novamente com a suspensão ao ver o sistema pneumático ajudando a manter o caminhão estável durante o transbordo.
Isso porque, nessa hora, o implemento eleva a carga a uma altura de 4,7 metros e bascula a carga, deslocando a caçamba a uma distância de 79 cm da lateral do caminhão. Derrubada a cana, só precisei recolher a caçamba e minha missão estava concluída.
Veredicto
Por trás da aparência lúdica, o Axor 3131 é como uma ferramenta de precisão projetada para uma aplicação específica.
Ficha técnica – Mercedes Axor 3131
Preço: R$ 750.000
Motor: MB OM 926 LA, diesel, Bluetec5, 6 cilindros em linha, 7,2 litros, 310 cv a 2.200 rpm, 122 kgfm entre 1.200 e 1.600 rpm
Câmbio: semiautomatizado, 16 marchas, tração 8×4
Suspensões: mista, com molas parabólicas (diant.), trapezoidais (tras.) e bolsas pneumáticas ativas
Freios: pneumáticos tipo tambor, com freio auxiliar e retarder (opcional)
Direção: hidráulica com sistema autônomo eletro-hidráulico
Rodas e pneus: dianteiros: 13.00×20, 405/70 R20 – 560/60 R22.5; traseiros: 16.00×22,5, 400/70 R20 – 560/60 R22.5
Dimensões: comprimento, 9.600 cm; largura, 3.365 cm (eixo dianteiro) e 3.570 cm (eixo traseiro); altura, 3.600 cm; peso 17.440 kg; PBT 39.000 kg
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