Setembro e outubro de 2012 marcaram o início de uma revolução entre os carros de entrada no Brasil. Dias depois do lançamento do HB20, um Hyundai barato projetado para o gosto do brasileiro, a Toyota lançava o Etios, seu primeiro carro barato no Brasil. Dali a um mês surgiria o Chevrolet Onix, substituto dos Corsa e Agile.
O trio Onix, HB20 e Etios forçou alguns dos carros mais baratos do Brasil a mudarem. Ditaram tendências como centrais multimídia, ar-condicionado e direção elétrica de série, e se anteciparam à obrigatoriedade dos freios ABS e airbags dianteiros.
Mas o Toyota Etios ficou ofuscado. Era o único que não tentava parecer mais do que realmente era – um carro de entrada, um meio de transporte bom e barato. Não tinha linhas modernas e arrebatadoras, nem tentava parecer mais caro: quem fez sua boa imagem foi mesmo o boca a boca.
O mais curioso é que, desses três, o Toyota Etios é o único que sempre recomendamos quando nos pedem indicação de um carro usado bom e barato. Sua simplicidade contorna as variáveis, que se limitam ao conteúdo e visual de cada ano de produção. Isso não o livrou, porém, da injustiça de ter passado os últimos dois anos sendo fabricado no Brasil apenas para exportação.
Em vez de criar um carro pensado para o Brasil, como fez Chevrolet e Hyundai, a Toyota trouxe um carro criado para o mercado indiano (onde surgiu em 2010). Parecia que a única adaptação ao gosto brasileiro havia sido os motores flex.
Por fora, faróis e lanternas simples, para-choques pouco integrados com o design do carro, fechaduras separadas das maçanetas e a falta de saias laterais para esconder as soldas na caixa de ar remetiam aos Fiat Palio e VW Gol dos anos 1990. Por dentro, o Etios chocava. A cabine tinha acabamento em tom de cinza bem claro (bem-aceito na Ásia) e o quadro de instrumentos, além de ser central, era analógico e hodômetro e marcador de combustível em um visor de cristal líquido minúsculo.
Mas havia qualidades. O Etios era muito espaçoso e seus plásticos estavam no mesmo nível de qualidade do Corolla da época, o porta-luvas era grande e refrigerado pelo ar-condicionado e havia espelhos nos dois para-sóis e muitos porta-objetos. A economia ficava mais evidente pelo único limpador de para-brisa e no barbante solitário que segurava o tampão do porta-malas.
O Etios ficava devendo no marketing pessoal, não havia status agregado a ele para ser transmitido ao comprador a não ser o fato de ser um Toyota. Mas seria aprovado em qualquer teste cego – se isso fosse algo seguro para ser feito com um carro.
Para começar, não era 1.0. Os motores 1.3 (90 cv e 12,8 kgfm) e 1.5 (96,5 cv e 13,9 kgfm) tinham desempenho próximo entre si e colocavam o Etios entre os hatches mais prazerosos de dirigir. Com menos de 1.000 kg, andava muito bem, era econômico e o câmbio manual de cinco marchas era bom. A suspensão tinha um raro equilíbrio entre dirigibilidade e conforto, com carroceria que passava solidez e direção leve, mas rápida e precisa nas respostas. A despeito da economia que parecia nortear o projeto, tinha rodar silencioso. Mas só quem não se importou com o visual polêmico descobriu tudo isso.
Ou a Toyota sabia onde havia errado com o Etios ou descobriu rápido, mas corrigiu a trajetória a conta-gotas: o carro mudou em absolutamente todos os novos modelos lançados até 2020. Até 2016, já tinha painel preto, vidro elétrico com função um toque e abandonou a trepidante embreagem por cabo.
Para 2017 estreava o mesmo quadro de instrumentos digital do Prius – a versão básica só tinha uma das duas telas coloridas. Os motores ganharam duplo comando variável, com o 1.3 passando aos 98 cv e o 1.5 aos 107 cv. Agora, além do novo câmbio manual de seis marchas, poderiam ser combinados ao mesmo câmbio automático de quatro marchas usado pelo Corolla até 2014.
Uma leve reestilização viria em 2018 e, no ano seguinte, o Etios passaria a ter controles de tração e estabilidade de série. Tentaram evitar que canibalizasse as vendas do Yaris, lançado em 2018, eliminando as versões XLS e Platinum. Nem precisava: o Yaris era mais atraente e roubou a atenção quando o Etios estava no auge e com nome feito: era o sinônimo de compra racional.
O desânimo da Toyota com o Etios em nível global impediu uma nova geração. A produção na Índia cessou no início de 2020 e em abril de 2021, após meses sem somar 600 emplacamentos (do hatch e do sedã), o compacto deixou de ser vendido no Brasil. A produção em Sorocaba (SP) só não parou de imediato porque o carro fazia sucesso na vizinhança.
O Toyota Etios chegou a ser o carro mais vendido da Argentina, país que sustentou sua produção até o fim. Inclusive chegou a ganhar uma versão furgão para driblar o momento econômico: era o mais barato da Argentina. O último embarque aconteceu no início de agosto. Foi o fim melancólico daquele que, para mim, foi o carro mais honesto fabricado no Brasil.
HENRIQUE RODRIGUEZ: Nesta coluna, o jornalista traz temas interessantes, que não se encaixam em forma de notícia, na revista, no site ou em outros formatos.