Trabalhadores relatam maus-tratos e agressões em fábrica da BYD na Bahia
Denúncias apontam que cerca de 500 funcionários chineses das obras da primeira fábrica da marca no Brasil trabalham em condições degradantes
Há pouco mais de um mês estivemos na fábrica da BYD em Camaçari, na Bahia, e constatamos que a operação na área da empresa acontece 24 horas ininterruptamente. Serão 26 novas instalações entre galpões de produção, pista de testes e outras estruturas que vão ocupar uma área de cerca de 1 milhão de m² adjacente à fábrica que era da Ford. O prazo para o fim das obras é dezembro de 2025.
Porém todo esse desenvolvimento parece cobrar o seu preço. Segundo reportagem da Agência Pública cerca de 500 funcionários chineses estariam em condições degradantes na construção da primeira fábrica de carros elétricos do Brasil.
Entre as denúncias recebidas pela agência estão agressões físicas, com chutes e pontapés. Alojamentos sujos, aglomerados, mal iluminados e sem divisão entre homens e mulheres. Banheiros imundos, sem limpeza diária das pias e dos vasos sanitários. Operários atuando sem equipamentos de proteção individual, submetidos a rotinas de 12 horas por dia, de domingo a domingo.
Todas essas situações estariam acontecendo dentro do canteiro de obras da BYD, que por sua vez, contratou cerca de 470 operários chineses de três empresas.
O Jinjiang Group faz o serviço de terraplanagem, que é a preparação da área para o início das obras e, em média, utiliza 280 funcionários. A Open Steel é responsável pela montagem da estrutura metálica da fábrica e mantém 100 funcionários chineses trabalhando nessa função. Já a AE Corp tem como responsabilidade montar a estrutura metálica interna, onde serão produzidos os carros elétricos, com uma força de trabalho de 90 funcionários.
As situações mais degradantes teriam acontecido com funcionários da chinesa Jinjiang Group. Há fotos e vídeos que mostram uma série de maus-tratos. É possível ver operários bebendo água salobra das poças formadas no canteiro, já que não teriam acesso a água potável. Alguns trabalham descalços ou sem os capacetes obrigatórios para proteção individual durante as obras.
Funcionários entrevistados pela Pública sob condição de sigilo confirmaram essas denúncias. De acordo com eles, os mestres de obras, também chineses, por mais de uma vez, teriam golpeado os operários com pontapés e socos.
Um dos casos aconteceu em 9 de outubro, de acordo com as denúncias. Um vídeo registra o momento em que um chinês aparece caído no chão depois de, segundo relatos, ter levado um chute pelas costas. Seria costumeiro ocorrerem cenas de violência quando há descumprimento de ordem ou demora na execução das tarefas.
De acordo com uma fonte ouvida pela Pública, houve um atraso e o novo prazo estimado é de finalização da primeira etapa em janeiro de 2025 e pode explicar o aumento no nível de tensão no canteiro de obras, mas não justifica a violência física.
Na empresa AE Corp há outras denúncias de violações, o refeitório para alimentação foi montado no mesmo local de trabalho – o que configuraria jornada continuada, pois não há tempo para descanso.
Falta de comunicação
Os brasileiros que também atuam na obra relataram que os chineses têm enorme dificuldade de comunicação para formalizar algum tipo de denúncia, pois eles não entendem o português, assim como os brasileiros também não conseguem se expressar em mandarim, cantonês ou nenhum dos outros cinco idiomas falados na China.
De acordo com a reportagem funcionários brasileiros cumprem uma carga horária das 8h às 18h (na BYD), com uma hora de descanso para refeição. Nas demais terceirizadas – no Jinjiang Group, Open Steel e AE Corp –, a carga horária seria das 7h às 17h, com duas horas de almoço.
De acordo com um funcionário brasileiro mesmo os chineses que trabalham em funções administrativas, são submetidos a jornadas mais intensas que os brasileiros. Como precisam responder a processos para a matriz chinesa, muitas vezes trabalham de madrugada para se adaptar ao fuso horário de 11 horas.
A Constituição brasileira assegura aos trabalhadores estrangeiros os mesmos direitos dos brasileiros, como 13º salário, adicional de férias, 30 dias de férias remuneradas, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e cumprimento de jornada de trabalho constitucionalmente prevista, portanto 8 horas por dia ou 44 horas semanais.
As obras no terreno de Camaçari começaram em março de 2024. De acordo com os relatos de funcionários ouvidos pela Pública, em abril, ou seja, um mês desde o começo da montagem, já havia relatos de violações a direitos trabalhistas de funcionários chineses.
Já houve fiscalização
De acordo com a agência Pública no dia 11 de novembro a Polícia Federal e o MPT (Ministério Público do Trabalho) estiveram no canteiro de obras para uma vistoria das condições de trabalho, mas não chegaram a ir aos alojamentos ou percorrer todo o espaço de montagem da fábrica, segundo fontes ouvidas pela reportagem.
O MPT confirmou que há um inquérito em andamento e as denúncias são importantes para o avanço das investigações.
QUATRO RODAS procurou a BYD para comentar as denúncias recebidas e a empresa nos enviou o seguinte posicionamento oficial:
A BYD recebeu com indignação as imagens relacionadas ao tratamento dado por profissionais das construtoras terceirizadas aos trabalhadores na construção da fábrica de Camaçari (BA). De imediato, a empresa determinou que os agressores sejam proibidos de atuar na unidade e exigiu das empreiteiras providências urgentes para garantir que tais incidentes não se repitam.
Além disso, a BYD está implantando um reforço em sua fiscalização da obra para assegurar o cumprimento da legislação e o respeito a todos os profissionais que nela atuam. A companhia opera há 10 anos no Brasil, sempre seguindo rigorosamente as leis locais e mantendo o compromisso com a ética e o respeito.
Com um investimento de R$5,5 bilhões, a fábrica de Camaçari representa um marco estratégico e tem potencial para gerar mais de 20 mil empregos diretos e indiretos.